Monday, January 15, 2007

Injustiça literária

Shylock era um judeu que, na peça de Shakespeare O Mercador de Veneza, vivia em um gueto nos arredores da cidade. Para sobreviver, emprestava dinheiro a juros, e juros altos. Um bom cristão, dono de navios que faziam rotas comerciais, pede-lhe dinheiro emprestado para ajudar um amigo, que quer se casar. Shylock tem ódio do bom cristão, por razões que não vem ao caso, e resolve pedir-lhe em pagamento, caso não tenha dinheiro para pagar a dívida, uma libra de carne, de qualquer parte do corpo que o agiota escolher. O bom cristão assina o acordo, confiando que terá dinheiro para pagar a dívida. No entanto, seus navios naufragam e ele não tem como pagar. O judeu exige-lhe uma libra de carne do coração.

O que me interessa aqui é o julgamento. O amigo consegue o dinheiro para pagar a dívida em dobro, mas o judeu não aceita receber; quer o coração. O juiz, que na verdade era a esposa do amigo do bom cristão (coisa estranha, mas deixa prá lá) dá ganho de causa ao judeu e o autoriza a tirar o pedaço de carne do coração do devedor.

Antes que ele o faça, o juiz diz que o contrato autoriza o judeu a retirar a carne do devedor, mas que não deve derramar uma gota de sangue. O judeu desiste da vingança, e diz que vai ficar com o dinheiro. O juiz nega-lhe o direito de ser pago e, pior, tira-lhe todos os bens e o dá ao devedor.

Todos comemoram a conclusão do assunto e elogiam a sabedoria do juiz.

Fiquei sem entender. A dívida existia de fato, e não havia sido paga. Mas, pior do que não receber, o judeu perde tudo o que tem para o devedor.

É uma obra literária, eu sei, mas é péssima. No fim das contas, a usura é pecado, coisa que um judeu não sabe, nem pode saber. Afinal, não é cristão. O judeu teve o que merecia, né?

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