Monday, March 31, 2008

O Banquete (3): o debate

Em banquete grego, bebe-se.

Bebe-se, bebe-se.

E depois de beber, claro, há uma farrinha com hetárias, ou com as flautistas, ou com as serviçais, ou com as dançarinas, ou, sei lá, entre os convivas, ou tudo isso junto, mas isso realmente não interessa, né?

Bem, Fedro e Aristófanes estavam de ressaca. Já haviam bebido demais na noite anterior, e não estavam muito dispostos a repetir a façanha. Sócrates, por sua vez, não gostava de beber muito.

Fedro então sugere que todos bebam moderadamente, e que conversem a respeito de um tema de interesse geral. Como Agatão havia ganho um prêmio literário com uma tragédia que obviamente envolvia o deus Eros, ou amantes, o tema escolhido é o amor.

Cada um deve falar sobre o amor, obedecendo à disposição dos lugares à "mesa", a começar pelo próprio Fedro.

(Viu como eu tinha razão? Para ler O Banquete, é preciso saber onde cada um estava sentado. Tá lembrado? Então vamos em frente.)

Fedro é o primeiro a discursar. Em seguida, Pausânias. Na sequência, era a vez de Aristófanes, mas ele começa a soluçar. Erixímaco, o quarto da esquerda para a direita (lembre-se disso), toma a palavra, a pedido de Aristófanes.

A partir daí, a sequência é mantida: Agatão, Sócrates e Alcibíades.

Então tá.

Amanhã continuo.

Saturday, March 29, 2008

O Banquete (2): os convivas

Estavam presentes ao banquete Agatão, o anfitrião, Pausânias, Fedro, Sócrates, Erixímaco, Alcibíades e Aristófanes.

A disposição dos convivas era a seguinte, da esquerda para a direita:

Fedro, que tinha a seu lado Pausânias, próximo a Aristófanes, que estava sentado ao lado de Erixímaco, que sentou-se ao lado de Agatão, que fez questão de sentar-se próximo a Sócrates (para aprender por osmose), que estava sentado ao lado de Alcibíades, que sentou-se ao lado de Fedro.

Prestou atenção?

Ow, isso é muito importante!

A boa compreensão do diálogo depende imensamente de saber onde cada um dos participantes estava sentado, viu?

Confie em mim.

Se esqueceu, releia.

Desenhar uma mesa redonda e dispor todos os convivas em seus lugares ajuda a memorizar, tá?

Então vamos revisar?

Fedro, ao lado de Pausânias, ao lado de Aristófanes, ao lado de Erixímaco, ao lado de Agatão, ao lado de Sócrates, ao lado de Alcibíades, ao lado de Fedro.

Ihh, acho que eu já decorei.

Ainda bem que a memória é seletiva.

Tuesday, March 25, 2008

O Banquete (1): a trama

Estou relendo O Banquete, de Platão. Já havia me esquecido de como é interessante.

A trama é a seguinte: em 416 a.C. a tragédia que um tal Agatão, o bom, escreveu foi a vencedora em um concurso de literatura, a Dionísia. Satisfeitíssimo, resolveu convidar alguns amigos para um banquete em sua casa, dois dias depois.

Quinze anos se passaram. Agatão já não morava mais em Atenas, e Sócrates estava a dois anos de sua sentença de morte. Certo dia, um tal Apolodoro encontra casualmente um conhecido, que lhe pergunta sobre o evento. Apolodoro esclarece que não estava presente, e nem poderia, pois ainda era muito jovem na ocasião, mas esclarece que ouviu de um certo Fênix histórias sobre o banquete, que por sua vez ouvira de um certo Aristodemo, que não chegou a acompanhar o debate. Curioso, Apolodoro procurou Sócrates para saber dele o que havia acontecido, e Sócrates confirmou a história contada por Fênix.

Apolodoro aceita, por fim, contar ao conhecido o que ouvira de Sócrates, que confirmava o que Apolodoro ouvira de Fênix, que ouvira a mesma história de Aristodemo, que não acompanhara o debate.

E eu agora contarei o que não ouvi de ninguém, nem presenciei.

Mas pode confiar em mim.

Sunday, March 23, 2008

Mito e razão

"Só o pensamento que faz violência a si mesmo é suficientemente duro para destruir os mitos".

Theodor Adorno, Conceito de Esclarecimento.

Thursday, March 20, 2008

Dórios comediantes

Diz Aristóteles na Poética V, 1448 (29): "Os dórios para si reclamam a invenção da tragédia e da comédia".

Fiquei por entender. Os dórios não são aquele povo nômade que chegou à Grécia, vindo do norte mais ou menos em 1.200 a.C. e derrotou os micênios? Não eram eles que tinham armas de ferro e se instalaram no Peloponeso, mais precisamente em Esparta? Esse povo não era inteiramente voltado para a guerra, brutal e inculto?

Ao menos é isso o que os livros de história dizem.

A palavra "lacônico" não vem justamente da planície onde ficava Esparta (a Lacônia) e significa aquele que fala pouco? Não aprendemos que Esparta via o interesse de Atenas pela filosofia e pela literatura como frescura e não escreveu praticamente nada? A chegada dos dórios não marcou o início da "Idade das Trevas" grega, ou seja, um período em que a escrita praticamente desapareceu?

Como é que um povo assim pode ser o "inventor" da comédia?

Catarse? Em Esparta? Sei não.

Em todo caso é mais provável que Aristóteles tenha razão e a história esteja ligeiramente equivocada.

Monday, March 17, 2008

Saudades de Mu

Ah, Mu! Continente maravilhoso, perdido no fundo do mar.

Mu, com suas montanhas, seus rios, seus lagos, sua brisa!

Ah, Mu, que o mar levou!

Mu, o querido Mu, que abrigava o grande país de Mu!

Ah, Mu, que não volta mais!

Mas Mu há de voltar. Será a volta dos que não foram, o retorno dos que nunca vieram.

É o que dizem os adeptos de Mu.

Ai, ai.

Mu foi embora. O país e o continente. Mas voltará um dia, em todo seu esplendor. Os habitantes de Mu, arianos, inteligentíssimos, avançadíssimos, voltarão um dia, talvez na cauda de um cometa, talvez em uma nave extraterrestre.

E nos ensinarão o Mu.

Mu-çulmano? Mu-queca? Mú-sica? Mu-stafá? Mu-ro? Mu-ralha? Mu-lher? Mu-ndinho?

Mu-gido?

Mu-la?

Apenas Mu.

Aguarde e verá.

Saturday, March 15, 2008

O zel da merda

Que William Waack seja um de nossos melhores jornalistas, ninguém discute.

O que ninguém sabia é que ele fala merda com muita frequência.

No Jornal Nacional, ao chamar a repórter Zelda Melo, acabou dizendo "Zelda Merda". Veja o vídeo linkado no título.

Só quem fala muita merda no dia-a-dia pode fazê-lo também na TV.

Friday, March 14, 2008

"I" de iscola e "e" de esquero

Sempre achei a fama de burra de Carla Perez exagerada, mas não há exagero algum. Carla Perez fugiu mesmo da iscola, mas isqueceu o esquero por lá.

Veja o vídeo.

Wednesday, March 12, 2008

Juju, Rita Lee e o trance

Aposto que você não sabe quem é o Juju.

Tente adivinhar: Juju tem barba, bigode, é magrin, gostava de falar de amor e passou alguns dias vendo o mundo do alto.

Adivinhou? Não?

Quer mais dicas?

Juju tinha mãe, mas não tinha pai. Morreu, mas não foi enterrado.

E agora, adivinhou? Claro, né? Juju é Jesus Cristo.

Ao menos, é esse o nome carinhoso com que os malucos da Igreja do Trance Divino se referem ao Cristo.

A Igreja do Transe é uma seita dedicada... ao trance! Os adeptos pregam uma religiosidade dançante, sem sofrimentos, sem essa de morrer para renascer, pecado e quetais. E sobretudo sem dízimo. Você só precisa pagar a entrada para as festas e se divertir a valer.

Ah, sim: para fazer parte da seita, precisará ter um nome indiano. Um daqueles nomes enormes, impronunciáveis, que ninguém quer ter.

Mas vou logo avisando: se quiser ser pastor da Igreja do Transe e mudar sua vida em uma boa farra de sexta-feira, terá de ser DJ.

Depois de Jesus?

Não, não.

Disc-Jóquei mesmo.

Para ser pastor também é imprescindível tocar bem, claro. Mas se você for um tipo humilde e preferir ser uma coisinha de nada na seita, basta ter um bom conhecimento de música eletrônica e adorar Rita Lee, a santa da seita.

Isso, mesmo. Rita Lee e trance. E daí? O que você tem a ver com isso?

Vá lá, vá. Alto Paraíso, Goiás. O que você tem a perder?

Leve um cd de trance para garantir a entrada.

Se não está acreditando em mim, espie a reportagem linkada no título deste post e acredite na ministra Anirit Kuyana: “Nossa religião é basicamente musical... Ela te leva num ritmo enorme e te solta lá em cima sozinho. E aí nisso a mente esvazia, você fica no nirvana, você fica sem o pensamento. É essa a delícia do trance: É misturar o básico ‘bate estaca’ da animal, do bicho que somos, com o espírito, com divindade”.

É... Quem nasceu jaburu nunca será cotovia. Mas que tenta, tenta.

Sunday, March 09, 2008

Homem-peixe

Anaximandro de Mileto (século VI a.C.), discípulo de Tales de Mileto, era uma figura extraordinária. Afirmava que a terra era redonda, fez o primeiro mapa de que se tem notícia e, pasmem!, resolveu o problema da origem do homem.

Como?

Simples: o homem veio do peixe, com catorze anos.

O raciocínio deve ter sido o seguinte:

O homem só pode ter vindo do mesmo ou do outro.

Do mesmo não pode ser, porque jamais chegaríamos ao primeiro homem; haveria sempre outro anterior que o gerou.

Se veio do outro, terá sido do outro natural ou do outro não-natural?

A hipótese de que o homem veio de um ser não-natural é descartada; já tivemos deuses demais.

É certo, então, que o homem originou-se de outro ser, natural. Logo, o homem antes de ser homem era outra coisa.

De onde vem a vida? Do mar, claro.

Então o homem veio do mar.

Se vivia no mar, então era peixe.

Por alguma razão desconhecida, houve uma transformação: um peixe gerou um ser diferente em alguns aspectos de si mesmo.

Ao fim de catorze anos de gestação, o peixe-mãe pariu seu filhote estranho próximo da terra (esse peixe era mamífero, obviamente).

Por que catorze anos?

Porque o homem, segundo Anaximandro, só é capaz de sobreviver sozinho aos catorze anos. Antes disso se for abandonado, morre.

Então.

O homem-peixe foi parido na praia.

Ainda tinha escamas, ainda era mais peixe que homem.

Com o passar do tempo e a adaptação à terra, perdeu as escamas, aprendeu a respirar pelos pulmões e ganhou pernas para se locomover.

Novas mudanças aconteceram, até se transformar no que é hoje.


Agora me diga: isto é ou não é uma espécie de teoria da evolução?

Quem foi mesmo que disse que na ciência nada se cria, nada se perde; tudo se transforma?

Laplace?

Saturday, March 08, 2008

Ex-donos do saber

O saber, antes nas mãos de mestres e pais, está mudando de dono: a criança que deseja criar um perfil no Orkut jamais pedirá ao pai ou ao professor para ajudá-lo; pedirá a um coleguinha. O adulto não sabe o bastante para ajudá-la (se isto é verdade ou não, pouca importa).

Este sintoma revela algumas tendências: a de deslocamento do saber que interessa às novas gerações (pragmático, técnico, instrumental, fragmentado, e que responda apenas às exigências do momento) para as mãos dos jovens; a formação de autodidatas e, por fim, o declínio do ofício de ensinar.

Quando aprende-se a aprender (e isto a internet ensina; se bem ou mal é outra história), qual é, de fato, a necessidade de professores? Bastam tutores multimídia, que coordenem os trabalhos em um ensino teleguiado, confortável, divertido e sobretudo dinâmico. Estas caracteríticas são apropriadas a uma cultura de superfície, mas também é preciso perguntar se, para as novas gerações, faz sentido ser de outro modo.

O perfil deste novo profissional do saber deve ser o de um bom comunicador, que tenha sempre o cuidado de não cansar o aluno e de manter viva sua atenção, porque o valor de um profissional de qualquer área está para a capacidade de atrair e manter a atenção.

Mas nada disso é negativo; uma geração autodidata deve ser melhor que uma geração que terceiriza o pensamento; a lógica interna à utilização dos recursos de informática, cuja compreensão é necessária para a imersão no mundo virtual, forja um novo modo de pensar e uma nova inteligência.

O problema, se há, não é das novas gerações. O conhecimento que deterão terá como suporte o autodidatismo e a inteligência, continuamente testada no uso diário do computador.

Problema temos nós, que ainda estamos raciocinando e funcionando em uma outra lógica, quando o mundo, quer queiramos, quer não, já mudou.

Thursday, March 06, 2008

Adorno, sobre a internet

Os reis não controlam a técnica mais diretamente do que os comerciantes: ela é tão democrática quanto o sistema econômico com o qual se desenvolve. A técnica é a essência desse saber, que não visa conceitos e imagens, nem o prazer do discernimento, mas o método, a utilização do trabalho de outros, o capital... O que importa não é aquela satisfação que, para os homens, se chama "verdade", mas a "operation", o procedimento eficaz. Pois não é nos "discursos plausíveis, capazes de proporcionar deleite, de inspirar respeito ou de impressionar de uma maneira qualquer, nem em quaisquer argumentos verossímeis, mas em obrar e trabalhar e na descoberta de particularidades antes desconhecidas, para melhor prover e auxiliar a vida, que reside "o verdadeiro objetivo e função da ciência". Não deve haver nenhum mistério, mas tampouco o desejo de sua revelação.

O Conceito de Esclarecimento. In: Dialética do Esclarecimento.

Wednesday, March 05, 2008

Leite corrompido

"Seria preciso uma ama tão sadia de coração quanto de corpo: a intempérie das paixões pode, assim como a dos humores, alterar seu leite".

Jean-Jacques Rousseau, Emílio, p. 37.

Tuesday, March 04, 2008

Hoje não são 4

Francamente, não entendo isso de dizer "Hoje são 4".

Verbo combina com sujeito, certo?

O sujeito é "hoje", certo?

Singular, certo?

Então por que o verbo não combina com o sujeito, ora?

Será por que "hoje" é advérbio? Mas não funciona como sujeito na frase?

Ihh. Sei lá.

Saturday, March 01, 2008

Maravilha

Hoje estava disposta a fazer algo diferente, sair da rotina, e assisti ao Mulher Maravilha.

Experiência única, que não viverei novamente, por isso tem de ser partilhada.

Então.

A mulher maravilha encontrou uma menina de outra dimensão, outro planeta, outra coisinha qualquer, e tem um problema prá resolver: devolver a menina a seu lugar de origem sã e salva.

Não é pouca coisa, não. Imagine. A mulher maravilha nem sabe onde fica o portal para o outro mundo.

Enquanto isso, um cidadão de meia-idade (confesso que não prestei atenção suficiente para saber quem é), um sujeito que sofreu um trauma no passado e ficou ranzinza, encontra a menina e... olhe só, começa a dizer que sua vida mudou; agora é capaz de perceber a doçura de um sorriso infantil, a candura de uma criança. Agora é capaz de ser feliz novamente. Quer até adotar a menina de outro planeta, no mais genuíno amor filial e reencontro de seu antigo eu.

Procure ver a situação com bons olhos, tá? Afinal, é a Mulher Maravilha.

O homem reencontrou sua infância perdida, reconciliou-se com a imagem da mãe austera que o perseguiu até a maturidade, e nasceu de novo.

Não é lindo? Fiquei até me perguntando quanto o ator terá recebido para fazer esse papel.

Mas belo mesmo é o fato de que ele próprio diz tudo isso.

Ao final, a menina não consegue voltar para seu planeta, então diz ao homem que quer ser filha dele.

Ele, com lágrimas nos olhos, responde: "Jura?"

Juro.

Vi mesmo.