Monday, May 30, 2005

Como parar de fumar sem nem mesmo tentar

Hoje estou completando dez dias sem fumar. Nada de mais. O caso é que não tive intenção alguma de me privar do cigarro, ainda que temporariamente, ou de parar de fumar. Continuo sem intenção, mas continuo sem fumar.

Como não pensava realmente em parar, resolvi testar minha resistência: deixei uma carteira aberta à minha frente, todos os dias. Como era uma brincadeira, eu podia me dar ao luxo de resistir. Quando cansasse de brincar, acenderia um cigarro.

Pois é, isso já se estendeu por 10 dias, e a carteira continua intacta. O problema é que me dei conta agora de que estou mesmo deixando de fumar e me apavorei. Como vou passar por todas as dificuldades da vida sem acender um cigarro? Além do mais, isso significa me proibir de fazer o que gosto.

Então cheguei à seguinte conclusão: como o que eu desejava era testar minha resistência e fortalecer meu espírito, não tenho mais nada que provar a mim mesma, portanto posso fumar o quanto quiser. E, se posso, então não estou me interditando. Se não estou me interditando, não preciso me rebelar. Se não preciso me rebelar, sou livre para decidir o que fazer. E, já que sou livre, por que não continuar me testando?

É, eu sei, há modos mais simples de deixar de fumar. Mas cada é um cada um, né?

Saturday, May 28, 2005

Tristes Trópicos

Li, ainda agora, no jornal O Popular: "Em fevereiro último, Claude Lévi-Strauss (...) deu entrevista ao jornal Le Monde, de Paris, relembrando sua passagem pelo Brasil, onde colheu subsídios para escrever o notável 'Tristes Trópicos'".

Como assim, cara pálida?

Friday, May 27, 2005

Condenado à morte?

A pior tragédia provocada por erupção vulcânica do século XX aconteceu na ilha de Martinica, no Caribe, em 8 de maio de 1902. Dois fatos me chamam a atenção, em relação à erupção do Monte Pelée.

Em primeiro lugar, a cidade de Saint Pierre foi inteiramente destruída, com um saldo de cerca de 30 mil mortos, e um sobrevivente. Toda a população da cidade foi dizimada em três minutos, mas uma pessoa sobreviveu sem lesões, arranhão, nada, nada: na cadeia da cidade havia um prisioneiro, Ludger Sylbaris, condenado à morte. Como a cadeia estava localizada no subterrâneo, praticamente sem ventilação, ele não foi atingido pelos gases. Sobreviveu ainda a três dias sem água ou alimentação. Impressionante, não é? Quando foi encontrado, estava fraco e confuso, mas ainda vivo. Morreu pouco tempo depois.

Será que executaram a sentença?

O segundo fato digno de nota é que a tragédia poderia ter sido evitada, não fossem as eleições que aconteceriam em breve. Houve tremores antes da grande erupção e a população, temerosa, quis deixar a cidade. O prefeito, candidato à reeleição, convenceu os moradores de que não havia motivo para alarme. Ele tinha receio de que, se todos fugissem, as eleições marcadas para breve seriam um fracasso, o que poderia resultar na perda do mandato.

Bem, as eleições não aconteceram, de qualquer jeito. Pode-se dizer, também, que ele não chegou a perder o cargo.

Thursday, May 26, 2005

Amar é... (1): Casar!

Hegel, logo após o casamento:

“Que diferença a que sinto agora, relativamente a mim mesmo e às relações com os outros, devido a esta união que tem o exclusivo de reconduzir o homem a si próprio, levando-o à mais completa realização”.

Hegel, quatro anos depois:

“Desposei há quatro anos uma mulher daqui, com o apelido de solteira von Tucher, e tenho dois rapazes saudáveis; afinal, bem vistas as coisas, não tenho do que me queixar. De qualquer modo, a vida humana raramente consegue escapar às dores, às dificuldades, às contrariedades, aos sonhos.”

Preciso comentar? :-)))

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Roche/Barrère. Manual de disparates dos filósofos. Terramar, Lisboa.

Wednesday, May 25, 2005

Prurido cognitivo

Você já passou dias e dias tentando pensar em outra coisa que não seja o pocotó da eguinha? Sua mente insiste, contra sua vontade, no “pocotó, pocotó, pocotó” e você bem que tenta, mas o pocotó não vai embora de jeito nenhum? Faça o que fizer, pense o que pensar, e lá está o pocotó, atormentando sua mente?

Não, não. Estou falando do pocotó mesmo.

Pois é, você não está sozinho. Acontece o mesmo com o resto da humanidade. Sabia disso, né?

A novidade dos cientistas a esse respeito é que esses pocotós ficam em nossa cabeça porque criam uma espécie de “prurido cognitivo”. Como a coisa não é localizada, não há cataplasma que resolva. Nem mesmo um cataplasma cognitivo.

Sempre achamos que o jeito é esperar passar. Ledo engano. É possível, sim, retirar o pocotó da cabeça sem dor, cirurgia, ventosaterapia, sangria cognitiva ou qualquer procedimento mais agressivo. Só não é possível evitar os efeitos colaterais.

Há uma estratégia que promete sucesso, a “técnica de substituição”. Quando o pocotó vier, comece logo a repetir: “vida, minha vida...” ou ainda “quero vê-la sorrir, quero vê-la cantar...”

Pense bem. O que é melhor?

O problema é que logo você terá de fazer a mesma coisa com a Sandra Rosa Madalena, substituindo por “macho, macho man”, e esta por “Florentina, Florentina, Florentina de Jesus, não sei se tu me amas, pra que tu me seduz”, que você sempre poderá apagar de sua mente depressinha se ficar repetindo “Telma, eu não sou gay”. Abandone a Telma em seguida e vá para a festa no apê.

E vá tocando a vida assim. Eu garanto: alternativa é que não vai faltar.

Eu sei, a solução não é das melhores; a gente fica pulando de galho em galho, né? Mas o bom da coisa toda é que não se fixa em nenhum. E, claro, não vai ficar pensando só no pocotó.

Tuesday, May 24, 2005

Contradição máxima

O grande projeto de meus três últimos anos se resume em ser capaz de construir um teorema de lógica tão difícil para mim que eu não consiga resolver.

Ainda não foi possível, mas já fiz progressos evidentes: no semestre passado criei um teorema com certo grau de dificuldade, daqueles capazes de te exaurir quando você consegue chegar à resposta. Passados uns dois meses, voltei a ele. Não encontrei a resposta de imediato e tive certeza de que havia cometido algum engano na montagem. Testei para saber se era mesmo possível, com os recursos disponíveis, chegar à resposta indicada. Era. Fiquei muito feliz. Finalmente um teorema válido, criado por mim, que eu não conseguia resolver! Até que enfim!

Mas então enxerguei a saída e o entusiasmo foi embora.

Na semana passada criei outro ainda mais difícil, mais longo e mais cansativo, mas terei de esperar alguns meses para esquecer como foi feito e tentar resolvê-lo. Estou esperançosa. É que embaralhei bem, entende?

Mas também ando um tantinho preocupada. Está ficando cada vez mais difícil dificultar as coisas para mim, porque logo identifico os mecanismos que criei para me desviar da solução. Com a experiência a gente vai ficando esperto, né? Mesmo que tente com muita garra, persistência e prestidigitação, tô ficando sem recursos.

De qualquer forma, não seria uma experiência enriquecedora elaborar uma trama para me enganar, esquecer dela e cair feito um patinho? O máximo da contradição!

Ou seria o máximo da lerdeza?

Só não sei o que sentiria depois: se ficaria contente por ter conseguido me ludibriar; indignada, por ter querido enganar; envergonhada, por ser otária a ponto de cair na minha armadilha; chateada, por ter sido capaz de arquitetar um modo de enganar a mim mesma, ou apenas confusa, por ter sido bem sucedida.

Monday, May 23, 2005

Briga filosófica (1): Hegel X Schopenhauer

1º. Round - Schopenhauer (sobre a filosofia do espírito):

Não, nada restará de Hegel, dado que ele não pensou, antes se limitou a fazer malabarismos com as palavras. O que é que ele logrou alcançar realmente com todo o seu pedantesco e declamatório aparelho? Nada mais conseguiu do que substituir o senso comum por sabe-se lá que culto seco e ininteligível de um Grande Pã progressivo que se agita vivamente como um diabo debaixo da lógica desgastada do ser, do não-ser e do porvir, o qual para nada mais serve, no percurso cansativo e estéril para o qual o seu inventor o remete, do que para imitar os esquilos ou para fazer sonhar os condutores das carruagens puxadas por cavalos.

2º. Round - Hegel (sobre O Mundo como Vontade e Representação, de Schopenhauer):

A primeira parte é desprovida de sentido, completamente sem relevo, miserável, trivial. É a mais sensaborona e incoerente tagarelice que, do alto de uma cátedra, um cérebro raso pode ejacular no momento da digestão.

3º. Round - Schopenhauer (sobre Hegel):

Hegel? Um excrementador que provoca náuseas, um charlatão estampado, um novo-rico da cultura, um triste senhor... Atente-se nas suas produções: o que é que elas são para além de um vazio, fútil e enjoativo amontoado de palavras? E, contudo, quão brilhante se apresenta a carreira desta filosófica criatura ministerial! Para tanto bastaram uns poucos compadrios aviltantes que proclamaram a glorificação deste pseudofilósofo vil, tendo tais vozes ecoado de tal modo nos crânios vazios de milhares de cretinos, que ainda hoje se estão propagando: assim se conseguiu transformar em grande filósofo um cérebro mais do que mediano, aliás, um charlatão de baixo nível.

Eitcha!

Estou recolhendo apostas.

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Pra ninguém dizer que inventei: Roche/Barrère. Manual de disparates dos filósofos. Terramar, Lisboa.

Sunday, May 22, 2005

O supra-sumo da consciência política

Não, não vou falar do Lula. Nem pensar. Meu assunto é outro: a consciência política invejável e a extrema coragem de Zenão de Eléia.

O filósofo grego Zenão nasceu na cidade de Eléia e viveu no século IV a.C. Diógenes Laércio, uma espécie de fofoqueiro da antiguidade, conta-nos que Zenão odiava o tirano de sua cidade. Planejou uma conspiração contra ele, mas fracassou e foi pego. Obrigado sob tortura a nomear seus cúmplices, acusou os amigos do tirano, para deixá-lo só.

Imagino que em seguida o tirano tenha ‘perguntado’ se ele sabia de mais alguma coisa. Zenão confirmou, havia sim algo que ainda não contara, mas insistiu que ninguém deveria ouvi-lo. O tirano precisava aproximar-se um pouquinho mais, e ainda mais um pouco, para poder contar-lhe ao pé do ouvido. Só assim iria falar.

Nearcos, o tirano, aproximou-se. O que fez Zenão? Mordeu a orelha do homem com tanta vontade, mas com tanta vontade, que ninguém conseguiu separá-los. Soltou não. Foi preciso que alguém da guarda viesse em socorro do tirano e matasse Zenão, para que Nearcos ficasse livre e sem orelha.

Outra versão diz que não foi a orelha que Zenão mordeu, e sim o nariz, mas realmente tanto faz. De qualquer forma, mordeu.

Já pensou se a moda pega? Mike Tyson bem que gostaria.

Ah, sim, a referência. Diógenes Laércio, Vidas e doutrinas de filósofos ilustres, IX, 26.

Thursday, May 19, 2005

Esquerda, direita, volver!

Estou com um processo no Detran, para tirar a carteira de motorista, desde 1998. Sim, 1998. Quando abri o processo, estava firmemente decidida a resolver esse assunto de vez, e continuo firmemente decidida. Eu não posso dizer que termino tudo que começo, mas com certeza continuo tentando. :-))

Em 2000, fiz a prova de volante. Consegui deixar o avaliador bastante assustado e somar 20 pontos negativos. Não, não estava nervosa. Pedi ao novo instrutor, em nova escola, que me avaliasse com sinceridade, para que eu pudesse identificar a dificuldade e superá-la. Concluída a aula, perguntei: “e aí, o que você acha?” Ele respirou profundamente e atirou: “meu anjo, você enxerga mal, não tem reflexo, não presta atenção em nada, é muuuuito lerda e, pra piorar, nem sabe a diferença entre esquerda e direita. Quer dirigir como?”

Pois é. Eu pedi sinceridade.

De fato, minha visão é muito ruim, mas para isso existe correção. O reflexo, consegui melhorar. Eu tinha um certo medo do trânsito que, com a prática (lá se vão quase 7 anos de experiência!), perdi. Já estou ficando experiente também em mudar de auto-escola, de instrutor e de carro e em perceber que não é por aí, não. Quanto a prestar atenção ao que acontece à minha volta, com muito esforço consegui ascender do péssimo para o tolerável. A lerdeza? É, sou lerda mesmo. Mas quando o caso é saber a diferença entre esquerda e direita, aí fica impossível.

“Vire à esquerda”, diz o instrutor. Certo, entendi, mas devo ir para que lado?

Aprendi a resolver o problema perguntando antes: “Por aqui?” E aí ele responde: “Não! Esquerda.” E então eu sei que estou na direção errada, e vou para a certa. Simples assim. Bem, nem tanto. A seta fica um tantinho confusa, mas isso é só um detalhe.

Enfim. Estou tentando me enganar com o argumento de que, quando estiver dirigindo realmente, não terei alguém ao meu lado me dizendo o que devo fazer. Assim, vou poder virar pra lá e pra cá sem precisar saber antes se é esquerda ou direita. Será que funciona?

Wednesday, May 18, 2005

A cerca de Hume

Hoje o que me chama a atenção é a cerca de Hume. Pode ser também a cerca de Kant, a cerca de Hegel, a cerca de Descartes, a cerca de Rousseau. Não importa de quem seja a cerca, o que importa é a cerca de.

Eu sei, a coisa fica um pouco mais complicada quando o caso é a cerca de Parmênides, porque não dá pra saber com certeza se ele tinha uma. Sim, a cerca é uma das coisas mais antigas da humanidade, e veio logo depois que alguém disse “isso é meu” e criou, assim, a propriedade privada. Mas a dificuldade mesmo é saber se Parmênides tinha alguma propriedade. Em todo caso, é certíssima a inexistência de cerca em Heráclito de Éfeso.

A cerca de Rousseau? Beleza. É o marco decisivo entre o bom selvagem e o homem civil. O mundo civilizado, intelectualizado, bom de papo, começou bem aí: na cerca.

A cerca de Hume? Não é muito conhecida. Eu quero dizer, não sabemos se era de arame farpado, madeira, ou qualquer outro material que não utilizamos mais com esse propósito. Mesmo assim, sabemos com certeza que havia uma cerca, já que ele tinha posses. Então é possível escrever sobre ela. Há que se inventar, mas é possível.

O correto mesmo, para quem não quiser se dar mal, é deixar o "a cerca de" para filósofos políticos ou epistemólogos. Pode ser que a marcação de território faça algum sentido.

Sunday, May 15, 2005

Coisa de grego (1): o gesto

Já que estou falando de Aristófanes, há uma passagem curiosa, em As Nuvens (630), peça escrita em 423 a.C.:

Sócrates: “Hum, talvez possa aprender os ritmos mais depressa!...”
Estrepsíades: “De que me servirão os ritmos para o pão de cada dia?”
Sócrates: “Antes de tudo, para ser um homem de espírito na sociedade, alguém que é capaz de perceber dentre os ritmos qual o enóplio e, ao contrário, qual o dátilo”.
Estrepsíades: “O dátilo? Por Zeus, mas eu sei!”
Sócrates: “Então diga... (apontando o dedo indicador). Qual é o outro ‘dátilo’ além deste dedo aqui?”
Estrepsíades: “Outrora, quando criança, eu usava este aqui...” (erguendo o dedo médio).

E a nota da tradutora, Gilda M. R. Starzynski, Coleção Os Pensadores, vol. 2, Abril Cultural, 1972: “O gesto de erguer o dedo médio, apontando-o a alguém, significava que se considerava essa pessoa como um devasso, habituado a práticas contra a natureza”.

É isso mesmo, ou estou entendendo tudo errado? Impensável Sócrates recebendo esse tipo de resposta. Ao menos, em um diálogo de Platão.

Parece que somos muito mais gregos do que imaginamos.

Quem diria?

Saturday, May 14, 2005

A pergunta que não me fizeram

Há uma perguntinha que ninguém me fez. Esperei, esperei, e nada. Então pensei: por que será? Curiosidade todo mundo tem, então descartei essa hipótese. Também pode ser que ninguém leia esse blog, claro, mas prefiro supor que já partiram do pressuposto de que inventei a criatura. Não inventei, não.

Mas o que ninguém quis saber, afinal? Quem foi Pandeleteu, o homem da sacolinha de idéias, ora.

O homem provavelmente existiu, e era um sofista. A referência a ele se deve a uma passagem de Aristófanes, em As Nuvens: “...roía umas idéias de Pandeleteu, tiradas duma sacolinha” (920). E é só.

Pesquisei? Claro. Ainda não encontrei nada. Mas não tem importância, porque a idéia de roer idéia já me basta.

Friday, May 13, 2005

Encontrei o mapa do inferno

Inferno não é para qualquer um. É preciso um esforço incessante, de toda uma vida, para se chegar lá. Mas, resolvido esse ponto, há outra dificuldade em que ninguém parece pensar: o senso de direção em um lugar desconhecido. O que fazer? Para onde ir? Esquerda ou direita? Imagine o pânico que vai sentir, se você se perder lá dentro. Acontece.

Mas é possível evitar a desorientação no inferno. É só levar um mapa. Cuide disso agora, porque ninguém sabe o dia de amanhã. Clique no título.

Clicou? Então observe a trilha. Ela nos levará a Caronte, um velhinho espectral que o ajudará a atravessar o pântano. Não se esqueça de levar duas moedas de ouro para pagá-lo, que nem no inferno se trabalha de graça.

Em seguida você será recebido por Cérbero, um cãozinho muito amável para com quem entra. Só não tente fugir.

Mais à frente está o vale de lágrimas, onde poderá chorar à vontade e lamentar ter partido desta para pior. Até então, enquanto os deuses não tiverem decidido seu destino final, você estará no purgatório. Mas o purgatório terá fim na planície de julgamento, e só há dois veredictos possíveis: culpado ou inocente. Esquerda ou direita.

Faça o impossível para não seguir a trilha à esquerda. Chore, esperneie, minta, negue tudo, argumente que foi enganado, suplique por clemência. Não vai adiantar nada, mas tente assim mesmo. Este é o caminho dos maus. Ele o levará ao Tártaro: escuro, flamejante, escaldante, insuportavelmente quente e cheio de coisa morta lá dentro, como o caldeirão da bruxa. Os castigos são horrendos, que o digam Íxion, Tântalo e Sísifo.

Mas, se você tiver sido bom, então Hades e Perséfone o receberão em seu castelo, para um lauto jantar. Alimentado, continue seguindo a trilha da direta. Ela o levará aos Campos Elísios, o lugar de repouso eterno.

Para quem vai habitar o Tártaro, é fundamental que se lembre de tudo que fez. Afinal, é castigo. Mas para os bons, é importante que esqueçam a vida anterior, ou não serão felizes. Será preciso, então, mergulhar no Lethe, o rio do esquecimento. Ou beber de sua água, tanto faz. Quando sair dele, já terá esquecido tudo e poderá passar a eternidade em paz, aproveitando a brisa. Sim, isso pode parecer cruel, mas veja por outro lado: não sentirá saudade, nostalgia, nada. Só a brisa. Melhor que carregar pedra.

Paraíso, inferno, purgatório, vale de lágrimas, planície de julgamento, juízo final, brisa e descanso eterno para os bons, fogo e trabalho incessante para os maus...

Você já viu esse filme antes. Essa versão pode não ser a primeira, mas eu garanto que é anterior.

Thursday, May 12, 2005

Ganhei

Durante toda minha infância e adolescência tardia acalentei o sonho de ter um joão-bobo, mas só ganhava bonequinhas barbie. Ninguém nasce Amélia, né?

Mas nada como um dia após o outro. Acabei de realizar meu sonho de consumo: ganhei o joão-bobo na última sexta-feira. Ganhei mesmo!

Estou batendo tanto nele que o bichin já aprendeu até a voar. E como voa!

Xô stress! Xô enxaqueca! Todos os meus problemas podem agora ser resolvidos com um chute bem dado, uma cotovelada esperta, um tapa na cara. Mas o melhor de tudo é que ele é bom de abraçar também.

Quem foi que inventou esse brinquedinho?

Ôu, eu quero mais!

Wednesday, May 11, 2005

Como ser o bam-bam das reuniões

Não sei por que, mas sempre que compareço a reuniões, sinto uma vontade inexplicável de martelar furiosamente um teclado. Escrevendo.

Hoje, no entanto, meu espírito é de infinita bondade (resultado talvez do cansaço que a tal reunião me impôs): pensando unicamente no bem de todos e felicidade geral da nação, resolvi criar algumas regras de participação em reuniões.

É claro, ninguém vai segui-las e ainda me faltará o espírito democrático (já que não foram previamente discutidas em reuniões). Mas a gente tenta, assim mesmo.

Comecemos por uma regrinha fundamental: encontre uma boa desculpa para sair mais cedo. Não será necessário ouvir tudo.

Isso é difícil, né? O desejo de contribuir fala mais alto. Tudo bem, eu entendo. Por isso preparei um plano alternativo:

1. Comece por criar uma teoria da conspiração, mas seja esperto o bastante para não dar margem a questionamentos inconvenientes. Apenas sugira que as coisas não são tão simples quanto parecem. O resto caminha sozinho. Daí a pouco todo mundo estará raciocinando do mesmo jeito e ninguém saberá dizer onde está a conspiração. Pero que hay, hay.

2. Não tenha pressa em falar. Pelo contrário, esforce-se para ser o último. Só assim poderá dizer que, após ouvir atentamente os posicionamentos anteriores, você gostaria de ressaltar que... E o resto é com você. Seja criativo, fique atento e pesque algo que passou despercebido. Seja lá o que for que vá dizer, seu discurso já terá um ar de síntese e, portanto, estará automaticamente um grau acima de todos os pontos de vista particulares. Nunca parecerá mais uma inutilidade perspectivada.

3. Use “a nível de” tantas vezes quantas for capaz. Isso é bastante satisfatório tanto a nível de convencimento quanto, e principalmente, a nível de persuasão.

4. Nunca se esqueça de diagnosticar o caráter demasiadamente epistêmico dos comentários dos colegas, mas procure fazê-lo sem demora, senão outro o fará. A rapidez de raciocínio aqui é decisiva para o sucesso.

5. Esclareça que qualquer alteração na rotina (por exemplo, a mudança da sala A para a sala B, ou do prédio A para o prédio B) só pode ser feita a partir de uma discussão cuidadosa de todos os aspectos filosóficos, teológicos, humanistas, antropológicos e, por que não dizer?, democráticos envolvidos na questão, que estabelecem uma diferença significativa entre a sala A e a sala B e, numa dimensão maior, entre o prédio A e o prédio B.

6. Demonstre a gravidade da situação de indigência intelectual do país (por exemplo, criando uma lista interminável com os erros de português horrendos que os universitários cometem) mas peloamordedeus, nunca, jamais, em tempo algum o faça com um português pra inglês ver. Sim, eu entendo que o porquê disso acontecer é devido o descaso sofrido pelas disciplinas de humanidades a nível de mundo, enquanto sujeitas ao caráter pragmatista, ideológico e mercadológico do mundo de hoje. Certo, mas dê uma melhoradinha nisso aí, tá? E vê lá se não vai melhorar o discurso acrescentando um Zeitgeist bem pronunciadinho. Não é por aí não.

7. Deixe sempre muito claro que você está falando de você enquanto você, e somente enquanto você. Isso é para evitar que alguém entenda que está falando de você enquanto todos.

8. Insista veementemente no chavão do espírito democrático: as decisões arbitrárias devem ser impostas às novas gerações, não a nós. Isto seria mais democrático, sem dúvida (mas como assim, cara pálida?).

Siga minhas regras e seja um feliz e bem sucedido participante de reuniões. Vá por mim, ela funcionam.

Mas o fundamental é não perder jamais o ar de menino ressentido diante da autoridade, porque o pai tomou decisões que o envolvem sem antes consultá-lo. Afinal, filósofo também é ser humano, né?

Tuesday, May 10, 2005

Desencapetamento

Encapetado, esta é para você! Sim, você mesmo, que tem o diabo no corpo, ou você aí do lado, que anseia por um diabo que a carregue: chegou um produto novo no mercado, com amostra grátis, que vai resolver todos os seus problemas. Trata-se de uma técnica novíssima, ainda não aprovada pelo Ministério da Saúde, e de eficiência duvidosa, como tudo que é novo: o desencapetamento!

A técnica consiste em “orações fortes contra macumba, bruxaria, feitiçaria, saravá e reza de São Cipriano”. Seja liberto de todo mal ao receber o banho do alívio com alecrim e arruda, na Igreja Internacional da Graça de Deus. Você assistirá a um verdadeiro show da fé e ainda passará por uma sessão de descarrego, junto com outra, de descapirotização, para a retirada completa de Satanás.

Tá esperando o quê? Vem logo, antes que acabe! A oferta é por tempo limitado. Além do mais, diabo impregna e depois fica difícil se livrar dele. Se você for o desencapetado número 1.000, ainda poderá virar pastor, com renda líquida vitalícia garantida.

Agora, se nada disso adiantar, não desanime. Veja o lado bom de ter o diabo no corpo: você vai poder fazer tudo o que lhe der na telha, e culpar o capeta. É pra isso que ele serve, afinal.

Sunday, May 08, 2005

Banho mata

Estava assistindo a um documentário da Discovery sobre Alexandre Magno e lembrei do Vidas Paralelas, de Plutarco. Ele conta, sobre Alexandre, que o homem tinha um hábito muito esquisito e que provavelmente ocasionou sua morte: ele tomava banho frequentemente.

Não houve conspiração para matá-lo, envenenamento por encomenda de Aristóteles, erro médico, fatalidade, nada disso. Ele morreu por causa da sua esquisitisse de tomar banho todo dia: segundo Plutarco, ao se aproximar da Babilônia, Alexandre avistou um rio. Imediatamente, parou a comitiva e foi se banhar antes de entrar na cidade. E ganhou a febre que o matou exatamente aí. No rio.

Dizem que a aversão do Europeu à água vem daí. No século XVII as mulheres tinham de usar pó em excesso no rosto, para esconder a sujeira. O problema é que o pó atraía as moscas. Então, para disfarçar, os modistas da época inventaram uma solução mágica: já que as moscas não iam embora mesmo, o jeito foi desenhá-las no rosto empapado de talco. Assim, nunca se poderia saber se a mosca era original ou fabricada. Engenhoso, sem dúvida. Mas fico pensando: sempre que alguém quisesse ir à ópera teria de contratar um desenhista. Para enganar, a mosca tinha de ser perfeita, claro.

Deve ser por isso que cada família nobre contratava um pintor particular. Para encher o rosto das moças de moscas.

Por outro lado, não era sabido e notório que no rosto de uma bela donzela havia moscas e... moscas?

Olhe só... Acabei de descobrir para quê servia o leque.

De onde vem o pitaco?

Não sei. Não faço a menor idéia.

Mas sei de onde veio Pítaco, poeta grego: de Mitilene, na ilha de Lesbos. Viveu entre os séculos VI e VII a.C. e ficou conhecido como um dos sete sábios da Grécia. Sua feiúra também era famosa. Foi rei de sua cidade, depois de derrubar o tirano, e abdicou do trono dez anos depois.

Algumas de suas máximas:

- O cargo revela o homem;
- Não fale mal de amigo, nem bem de inimigo.
- Não devemos divulgar nossos planos antecipadamente, pois se eles falharem, ninguém rirá de nós;
- Atente para o momento oportuno;
- Contra a necessidade nem os deuses lutam.

Friday, May 06, 2005

Estupro acidental

Fiquei impressionada com a sabedoria do Severino. Estupro é um acidente horrendo. Ô Severino, dá um tempo. Por essa lógica, assassinato é acidente, roubo é acidente, latrocínio é acidente, seqüestro é acidente, pedofilia é acidente. E o autor é apenas um descuidado, um inconseqüente, um irresponsável. É isso mesmo? Só falta o Severino dizer que a intenção é da vítima, já que está retirando a intenção do autor.

Ou será que ele queria dizer que estupro é algo acidental? Mas como é possível um “estupro acidental”? Sim, pode ser um “acidente”, considerando todos os eventos possíveis na vida de alguém; considerando o caráter contingencial do fato, quero dizer. Mas, convenhamos, isso é filosofia demais para qualquer Severino. Melhor entender a coisa ao pé da letra: como é possível um ‘acidente’ desta natureza? Alguém caiu sobre alguém assim, do nada, sem nada, e ops?

Não, não. Nada disso. A coisa toda é bem mais simples: o homem apenas se expressou mal. Isso acontece, gente.

Lembrei daquele caso da mulher encontrada morta com 70 facadas. O marido alegou, em sua defesa, que ela se matou. Imagine. As 69 estocadas anteriores à fatal não serviram para nada, nem para desanimá-la, menos ainda para enfraquecê-la. Continuou tentando, tentando, tentando e tentando de novo... e mais uma vez, e novamente, até acertar a pontaria e atingir o coração. Isso é que é uma vontade inabalável.

Mas triste mesmo será um Severino na presidência do país. Considerando que o Rio já elegou um jegue para deputado (ou vereador, sei lá), tudo é possível.

Wednesday, May 04, 2005

Está chegando a hora

O fim está próximo. Um tal de Malaquias, que viveu no século XII, profetizou que, durante o papapo do 112º. papa na seqüência, haverá o juízo final, quando Deus separará os maus dos bons. Claro, os bons são os católicos e correligionários. Os maus... bem, estes são em número ainda maior.

Bento XIV é o 111º., que tem 78 anos, o que significa que o fim está próximo. Para ele e para nós.

Mas a questão é: o que fazer diante do fim do mundo? Arrepender-se? Dar adeus à dieta? Desistir da lipo? Dar adeus à intenção de parar de fumar? Comprar aquele carrinho tão sonhado? Dizer ao chefe tudo o que gostaria? Abastecer a despensa? Vender tudo o que tem e doar aos pobres? Aceitar Jesus como seu salvador? Reconciliar-se com Deus?

Istópi! Isso é apelo à força. Prá ficar só na falácia.

Mas talvez eu queira saber, mesmo, o que vão fazer os crentes. Provavelmente, dar pulos de alegria. Enfim, separados do joio.

Tem alguma coisa errada aí, não tem não?

Monday, May 02, 2005

Tem feijãozinho sobrando aí

No começo do século XIX o interesse do cientista americano Samuel George Morton em história natural (e naturalmente eugenia) o levou a realizar um experimento um tanto curioso, com um resultado nada surpreendente.

Tratava-se de determinar a capacidade cognitiva de várias ‘raças’ humanas a partir do volume e densidade do crânio. Seu experimento consistia em preencher vários crânios com feijões, quando então os pesava. Aquele que tivesse maior densidade teria pertencido ao homem mais inteligente (ou melhor, à raça com maior capacidade cognitiva). O resultado “comprovou” que os negros possuem crânios muito mais leves. Consequentemente, têm uma capacidade cognitiva bastante limitada e, em comparação com os brancos, cujos crânios obviamente pesavam bem mais, são muito menos inteligentes.

Pois é. Imaginem o sucesso que o homem fez. A ciência havia enfim demonstrado o que todos os brancos daquela época já sabiam: que os negros são inferiores intelectualmente e, portanto, que a escravidão se justifica. É claro, também deve ter ajudado a enriquecer os que viviam da plantação de feijão. Só não agradou aos religiosos que defendiam a escravidão. É que estes achavam que a escravidão tinha qualquer coisa a ver com Caim (a marca na testa) ou com Cão (aquele filho de Noé, que riu do pai bêbado e nu).

O que ninguém se interessou em saber é que Morton, distraído, cansado ao final de um longo dia, assim, sem-querer-querendo, deixou cair mais feijõezinhos no crânio do homem branco.

E ainda dizem que o cientista é fiel ao experimento.

É verdade que depois ele refez o teste (trocando os feijões por bolinhas de chumbo) e a diferença caiu um pouco (por que será?), mas ainda com vantagem para o branco. E uma terceira vez, agora comparando o volume e a densidade do crânio com o tipo físico. Neste último teste, não houve diferença.

Nem é preciso dizer que o primeiro é que fez sucesso.

Confesso que não entendi bem isso de alguém ser mais inteligente porque tem mais feijão na cabeça.

Veja também http://www.amphilsoc.org/library/mole/m/mortonsg.htm

Sunday, May 01, 2005

Frase do dia

hoje, só uma frase:

Memento audere semper. Lembre-se de ousar sempre.

Ops!

Socorro! Big Brother do inconsciente! Tava demorando, né?

Os cientistas descobriram um modo de ler nossos pensamentos. E o mais grave: eles se dizem capazes de ler, por ressonância magnética, o que nós nem sabemos que estamos pensando.

O que isto significa? Que os males da mente poderão ser melhor diagnosticados e tratados preventivamente, ou que nossos comportamentos, interesses, inclinações, gostos e paixões poderão ser manipulados?

Sei não. Pela reportagem (que pode ser acessada clicando no título acima), parece que a experiência passa por uma espécie de manipulação da reação, com algo do tipo mensagem subliminar. Mas ainda é cedo para dizer qualquer coisa, até mesmo se o experimento garante o resultado pretendido.

Em todo caso, não quero ninguém lendo meus pensamentos. Já é demais pensá-los e dar tanta bandeira.