Wednesday, January 17, 2007

Amar é... (3): ...culpa de Eros!

Jasão - aquele, dos Argonautas -, em sua viagem em busca do velo de ouro que lhe garantiria a posse do trono que lhe era devido por direito, casa-se com uma feiticeira, Medéia, que leva para a Grécia, e tem com ela dois filhos. Quando torna-se possível casar com uma grega, filha de Creonte, rei de Tebas, Jasão não hesita: precisa se livrar da mulher. Segundo a peça de Eurípides, Medéia, Jasão quer que seus filhos sejam criados como príncipes, e não como filhos de uma estrangeira. Enfim. Jasão despreza Medéia e quer tomar-lhe os filhos. Quando ela se dá conta das intenções de Jasão, toma uma decisão digna, na concepção dos gregos, de bárbaros: mata os dois filhos para vingar-se do marido.

Quando Jasão vai buscar os filhos e descobre que estão mortos, tem uma discussão com a mulher, o melhor da peça.

Primeiro, eles se acusam mutuamente pela morte das crianças:

JASÃO: Ó meus filhos, que monstro encontrastes em vossa mãe!
MEDÉIA: Ó meus filhos, foi a perversidade de vosso pai que nos perdeu!
JASÃO: Ao menos, não foi meu braço que os imolou.
MEDÉIA: Foi teu ultraje.
JASÃO: O quê? Foi para vingar teu leito que te resolveste a matá-los? (...)
MEDÉIA: Sabem os deuses quem foi o primeiro autor deste desastre.
JASÃO: Sim, eles sabem todo o negror de tua alma.


Em seguida, discutem sobre quem realmente amava os filhos:

JASÃO: Ó meus filhos queridos!
MEDÉIA: Queridos por sua mãe, não por ti.
JASÃO: E no entanto os mataste!
MEDÉIA: Para te desesperar.


Depois, sobre o direito de enterrar as crianças:

JASÃO: Deixa-me enterrar meus filhos e chorá-los.
MEDÉIA: Certamente que não. Sou eu que os enterrarei com minhas mãos.


Por fim, Jasão quer se despedir dos filhos, e Medéia o impede:

JASÃO: Em nome dos deuses, deixa que eu toque o corpo encantador de meus filhos!
MEDÉIA: Não, tua súplica é inútil.


Mas o mais interessante é a desculpa de Jasão para ter-se envolvido com Medéia:

MEDÉIA: Ó mais celerado dos homens! (...) Eu te salvei a vida.
JASÃO: (...) Reconheça comigo - a explicação não é engenhosa, se bem que pouco apropriada para te agradar? - foi Eros que, ferindo-te com suas flechas invencíveis, te forçou a salvar-me.


Jasão quer se livrar da mulher, tomar-lhe os filhos e deixá-la desamparada, já que não pode voltar para sua terra, nem poderia ficar na Grécia.

Quando Medéia o acusa de ter uma dívida com ela, por tê-lo salvo a vida (às custas de matar o irmão e trair o pai) e por tê-lo ajudado a reaver seu direito ao trono de Iolco (ao matar o tio de Jasão), o marido lhe diz, nas entrelinhas, que não lhe deve nada, porque tudo que ela fez foi por amor a ele, Jasão, e que este amor nada mais era que uma travessura de Eros. Ela havia sido enfeitiçada pelo deus do amor. Logo, se alguém tem alguma culpa, esse alguém é Eros.

Eitcha! Quase acreditei na inocência de Jasão.

No comments: