Monday, April 04, 2005

Erraram no genitivo

Em 2000 foi encontrada, no Paquistão, uma múmia adornada em ouro, bem conservada, com uma inscrição cuneiforme dizendo tratar-se da filha do Grande Rei Xerxes.

A descoberta abalou o mundo científico e ameaçou mudar a história da humanidade. Os persas, até onde se sabe, não mumificavam seus mortos ilustres. Como um seguidor de Zoroastro faria algo assim? Pensou-se que o rei persa talvez tivesse contratado embalsamadores egípcios para a tarefa, já que havia contratado escultores egípcios para adornar Persépolis, mas isso também parecia absurdo. Em todo caso, descobriu-se que a mumificação não podia ser obra dos antigos egípcios. Havia diferenças significativas. Restava saber se era obra dos persas.

Lá pelas tantas, um estudioso da escrita cuneiforme percebeu um detalhezinho insignificante, mínimo, sem importância alguma, na inscrição: na construção da frase "Rhodogune, do Grande Rei Xerxes filha" FALTAVA O SUFIXO NA PALAVRA REI QUE INDICAVA O CASO GENITIVO! Isto é, a frase, como estava, dizia mais ou menos o seguinte: "Eu sou Rhodogune, Grande Rei Xerxes filha". Nada de mais, né? Mas isso mudou tudo. Nenhum escriba persa cometeria um erro de gramática tão elementar. Conclusão? A múmia é falsa! Claro, podia não ser persa, mas ainda assim ser antiga. Então fizeram o teste com carbono 14. O que descobriram? Que a mulher mumificada havia morrido em 1996. Sim, 1996! Isso mesmo, a data é essa.

Como não se tratava de antiguidade, retiraram as bandagens e fizeram uma tomografia. Alguns indícios apontaram para a possibilidade de a mulher ter sido assassinada com o propósito de tornar alguém rico (se fosse verdadeira, a múmia valeria 30 milhões de dólares). Ou seja, o caso que exigiria uma revisão nos livros de história virou assunto de polícia.

Fiquei me perguntando, após ler sobre esse episódio, se a religião pode realmente tornar os homens melhores. Claro, a religião tem uma função política, mas nisto ela não está sozinha. O argumento de que as religiões são capazes de tornar os homens moralmente melhores só serve para elas. Mas será mesmo assim? Como pode um país profundamente religioso, quase teocrático, junto com o Irã (este, sim, uma teocracia), ser o maior ‘fabricante’ de múmias falsas do mundo? Ora, para haver múmias é preciso haver mortos. Para haver mortos, é preciso haver corpos mortos que, em princípio, deviam ser respeitados. Isso, sem falar na possibilidade horrenda de que pessoas sejam mortas para virar relíquias de colecionadores.

2 comments:

Anonymous said...

Aff... dessa eu não sabia!

sofista said...

Oi Dani,
É sério. Aconteceu mesmo, como pode ver no endereço que indiquei. Múmias falsas há aos montes, mas geralmente aparece alguém querendo vendê-la a um curador. Esta foi encontrada em uma casa, durante uma batida policial.
Uma equipe enorme de especialistas voltada para o crime. Pesado isso.