Saturday, June 05, 2010

Definir ou não definir, eis a questão

Existe uma certa resistência, dentro dos departamentos de filosofia, de definir seu objeto. De um modo geral, agrada aos filósofos a idéia de que a filosofia seja ampla demais, abrangente demais, complexa demais para caber em um conceito.

A resistência à definição tem a vantagem de fazer qualquer coisa caber dentro do conceito: a poesia, a literatura, a psicanálise, o delírio, o devaneio, a crença, o que carece de lógica, a bricolagem e os rococós. Assim, permite que haja filosofias do ar rarefeito, de associações vagas e indemonstráveis e construção de grandes sistemas, que pretendem explicar o todo da realidade. Para piorar, são filosofias que encantam exatamente por seus defeitos, recebidos passivamente como qualidades supremas.

A lógica pode ser árida, às vezes, mas recusar o rigor lógico como "aprisionamento do sujeito" ou "interdição do discurso" não passa de fuga do trabalho árduo que a boa filosofia exige, escondendo-se sob o discurso romântico e encantado da metáfora tornada filosofia.

Há ainda dois problemas sérios derivados da recusa em definir a filosofia: a impossibilidade de se encontrar um lugar próprio para o pensamento filosófico, que não se distingue do que já assinalei acima, e a disseminação de uma postura intelecual pouco séria. No primeiro caso, se sentimos um certo receio "filosófico" em dizer o que é filosofia e o que não é, aquilo de que falamos perde o referencial, o que promove o segundo problema, o escamoteamento de posturas pouco sérias. É claro que há exceções, mas via de regra a filosofia que se ensina em sala de aula é muito mais um reflexo das convicções do professor, tratadas com respeito religioso e repetidas como doutrinas incontestáveis, que propriamente ensino de filosofia.

Chega-se, inclusive, ao absurdo de interpretar o pensamento de um filósofo de modo a fazê-lo caber em uma visão de mundo. Isto, aliado à afirmação, repetida ad nauseam, de que a lógica não passa de mera razão instrumental, faz com que o pensamento crítico e criterioso passe ao largo das salas de aula.

No comments: