Wednesday, June 24, 2009

Eu mereço

Fui bombardeada hoje com recadinhos do tipo "Deus ama você - clique aqui, aceite Jesus e tenha vida eterna".

Thanks, but no, thanks.

É vírus, com certeza.

Desisti dos emails e fui para a TV. Havia uma reportagem sobre uma romaria próxima à minha cidade. Entrevistaram um dos romeiros, e eis que ouço o brilhante argumento: "Uma família sem fé é uma família sem união, porque é uma família sem Deus, e não existe amor sem Deus. Então uma família sem fé é uma família desunida, sem amor".

Certo. Além da petição de princípio, óbvia, não conheço família unida na fé. Conheço, isto sim, famílias desunidas pela fé. Mas tá bom. Isso é generalização apressada. Vai que existe alguma família fervorosamente feliz. Sei lá. Tudo é possível.

De todo modo, e ainda tratando do post anterior, há sempre um "ex" cheio de orgulho em todo cristão fervoroso: ex-drogado, ex-prostituta, ex-gay, ex-traficante, ex-bêbado, ex-qualquer-coisa. Parece que o "ex" é pressuposto para uma conversão verdadeira: eu fui x, agora sou y.

Meio redundante, eu sei. Mas vai ver que não sou cristã porque não tenho um "ex", a não ser ex-secretária, ex-estudante, ex-funcionária pública etc.

Infelizmente nada disso me recomenda para ser um testemunho da ressurreição em Cristo.

Tuesday, June 23, 2009

Ateu convertido

Cristão convertido ao ateísmo? Não! Ateu convertido ao cristianismo. Depois de ter tido uma overdose de maconha e, claro, uma revelação.

Não sabia que era possível a overdose de maconha. Também não sabia que maconha provoca alucinações.

Vivendo e aprendendo.

Acho difícil engolir essa. Não existe ex-ateu, exceto se um carro passar em cima da cabeça, espalhar massa encefália, mas sobrar o suficiente para virar cristão.

Metáfora, tá?

Veja a página linkada no título. Contemple o belo testemunho de morte do velho homem, por overdose de maconha, e a ressurreição do novo, pela fantasia.

Haja maconha.

Sunday, June 21, 2009

Mente aberta

Manter a mente aberta é uma virtude - mas, como o engenheiro espacial James Oberg disse certa vez, ela não pode ficar tão aberta a ponto de o cérebro cair para fora.

Carl Sagan, O mundo assombrado pelos demônios, p. 188.

Saturday, June 20, 2009

De Wilde

A aversão do século XIX pelo Realismo é a fúria de Caliban ao ver a sua cara ao espelho.
A aversão do século XIX pelo Romantismo é a queixa de Caliban por não ver a sua cara ao espelho.

Oscar Wilde - prefácio ao Retrato de Dorian Gray

Friday, June 19, 2009

Atenção zero

Encontrar emprego não está fácil, especialmente para quem não é lá muito atento.

Um dos supeitos de roubar uma van no Rio esqueceu o currículo dentro da van.

A descrição pessoal garante que o candidato é "educado, de fácil trato, tem facilidade de trabalhar em equipe, muita vontade de crescer profissionalmente e disponibilidade de horários".

Só esqueceu de dizer que é esquecido.

Wednesday, June 17, 2009

Indústria Cultural?

Encontro com tanta frequência uma interpretação errônea do termo Indústria Cultural, de Adorno e Horkheimer, que comecei a me perguntar se o engano não é meu. Fui conferir e não é. Ou, se for, continuo no erro, porque é como percebo.

Explico.

O que ouço frequentemente dentro da academia é que a Indústria Cultural nos faz consumir, sem pensar, produtos como sapatos, celulares, bebidas, roupas da moda etc. etc.

Quando digo que isto não é Indústria Cultural, escuto a mesma explicação, dita de outro modo, junto com a alegação de que eu não entendi, que a coisa é mais complexa do que estou pensando etc. etc.

Ow, Indústria Cultural, como o nome diz, se refere à indústria da cultura - e cultura no sentido restrito: produto cultural mesmo (música, cinema e literatura, especificamente).

Não tem nada a ver com sapato, peloamordedeus!

Sapato, celular, roupa etc, são produtos de indústria, e não da IC.

É claro que a IC funciona na mesma lógica da indústria (aliás, é por isso que se chama INDÚSTRIA, tá?), mas são coisas diferentes no produto que oferecem, o ponto exato em que há confusão.

O que a IC produz é simbólico, não material, como Adorno diz. É uma apropriação, pela lógica da indústria, da arte, tranformando-a em mercadoria e o artista, em operário.

Tudo bem, é possível que eu não tenha entendido nada, já que a maioria acha que Adorno está falando de mero consumismo, e não especificamente de consumismo de "mercadorias" culturais.

Mas insisto que sapato não é cultura. Tá, é produto da cultura, no sentido mais lato possível, mas não é cultura no sentido restrito. E é nesse segundo sentido que está Adorno.

Ou não?

Tuesday, June 16, 2009

O Castelo Mal-Assombrado de Murnau

Assisti hoje a The Haunted Castle, de Murnau.

Gosto de Murnau, mas assisti primeiramente porque queria ver um fantasma. Não há. Esperei, esperei, e no máximo há um medroso tendo pesadelos com alguma coisa parecida com o Nosferatu, pelo menos nas garras. Frustrante.

A locação também não é um castelo.

A história é prá lá de implausível: há um assassinato, um suspeito que nunca é formalmente acusado e, quatro anos depois, uma reunião em que um intruso se impõe com o único propósito de revelar a trama que resultou no assassinato. A implausibilidade está na solução apresentada e em um disfarce.

Mesmo com todos esses defeitos, o filme é envolvente. Há uma atmosfera tensa do início ao fim, uma reviravolta, desconfianças que ninguém tem coragem de formular abertamente, e um grupo relativamente grande de convivas com características muito semelhantes: todos temem um personagem, de que falam às ocultas mas fingem respeitar, todos querem apenas uma boa desculpa para ir embora, mas continuam ali e todos têm medo de não sabem o quê.

Não sei porque, mas gostei. Talvez seja pelo clima tenso e pela atmosfera quase palpável de medo. Real e imaginário.

Monday, June 15, 2009

Cadê o History Channel?

O que terá acontecido com o History Channel?

Já foi o melhor canal de TV a cabo, com documentários sempre muito bem feitos e interessantes.

De uns tempos para cá, no entanto, raramente há um documentário que valha a pena ver. Entraram na programação coisas sem sentido como "Caminhoneiros do gelo", "Caçadores de OVNIS", "Lenhadores", "Cemitérios de máquinas" etc., etc.

O mesmo vale para o Discovery Channel, com "Overhauling", "Assombrações", "Trabalho sujo", "Psychic Detectives", "Mythbusters" e outras porcarias do gênero.

Nem Cristo salva.

Só o download.

Sunday, June 14, 2009

Na correria, a sutileza ficou em casa

Michael Walzer é o filósofo que estou lendo atualmente, e estou apreciando bastante. Mesmo assim, confesso que fiquei surpresa com o parágrafo colado abaixo, de Guerras Justas e Injustas, capítulo 7, sobre a Guerra da Coréia da década de 50:

A guerra americana na Coréia foi descrita oficialmente como uma "ação policial". Tínhamos ido ajudar um Estado que se defendia de uma invasão total, empenhados no árduo trabalho de fazer vigorar a lei internacional... Mais uma vez, estávamos em guerra contra a agressão em si tanto como contra um inimigo específico. Pois bem, quais eram os objetivos de guerra do governo dos Estados Unidos? Seria de esperar que a democracia americana, vagarosa para se enfurecer, mas terrível em sua ira justa, tivesse pretendido a total erradicação do regime norte-coreano. Na realidade, nossos objetivos iniciais eram de natureza limitada. No debate no Senado a respeito da decisão do presidente Truman de enviar às pressas tropas americanas para a guerra foi afirmado repetidas vezes que nosso único objetivo era forçar os norte-coreanos a voltar à linha divisória e restaurar o status quo anterior à guerra.... "O Estado ganancioso", escreve Liddell Hart, "inerentemente insatisfeito, precisa alcançar a vitória para conquistar seu objetivo... O Estado conservador consegue atingir seu objetivo... frustrando o empenho do outro lado pela vitória."

Moral da história: Walzer, filósofo americano, é mesmo americano.

Saturday, June 13, 2009

O google vai te pegar

De todas as asneiras com cara de conhecimento profundo que encontrei na internet recentemente, esta é top de linha: estamos sendo ameaçados em nossa capacidade de avaliar o real pela hegemonia absoluta do Google.

Há gente escrevendo sobre os perigos que o Google representa para nós, pobres idiotas, que achamos que toda realidade se resume a um buscador.

O raciocínio é o seguinte: quando procuramos algo no google e o buscador responde que não encontrou a informação, nós tendemos a achar que o que procuramos não existe.

Como assim, cara pálida? É claro que, se o Google é o melhor buscador e não encontrou o que procuramos, é natural supor que a informação não exista NA INTERNET, embora não seja bem assim. Mas supor que isto interfere em nosso senso de realidade é um pouco demais.

Então vamos fazer um teste: procuro meu nome na internet e não me encontro. Opa, não existo!

O autor da pesquisa também quer nos fazer crer que o google, tadinho, aumentou o plágio. Imagine a pesquisa acadêmica 50 anos atrás: era muito difícil identificar um plágio bem feito. Hoje basta usar um programa para descobrir a fraude. O Google tornou, isto sim, mais fácil detectar o plágio. Porque mais visível, talvez pareça mais frequente, mas há uma confusão evidente entre a visibilidade e a recorrência.

Quando é que essa apropriação tosca do discurso marxista vai começar a ser menos conspiratória e mais racional?

Nada contra o discurso marxista, claro, mas acho o fim essas inteligências que confundem intelectualidade com teoria de conspiração revelada. No fundo, no fundo, há uma pretensão de salvar o outro revelando que ele precisa ser salvo.

Friday, June 12, 2009

ececiledon

Aposto que você nem imagina o que seja ececiledon.

Uma pista: tem a ver com antropologia.

E agora? Adivinhou?

Esqueça. Não vai adivinhar nunca, a não ser que fale francês. Ler não é suficiente.

"Ececiledon" é a pronúncia de "Essai sur le don" (Ensaio sobre o dom), livro de Marcel Mauss, de 1924.

Credo.

Melhor sair pela tangente e citar lévistrô.

Se nada resolver, tente o alfabeto fonético internacional, mas não garanto nada.

Thursday, June 11, 2009

X-phi

Já dizia Bachelard que a filosofia é segundo discurso em relação à ciência. Não tenho certeza, mas aparentemente esta é a proposta da filosofia experimental.

Digo que não tenho certeza porque nas leituras que fiz (poucas, e apenas na internet) ainda não ficou claro para mim o que é a X-phi. O que pude inferir até agora é que se trata de um projeto que pretende "empiricizar" a filosofia, para usar um neologismo. Como isto não é possível sem recorrer à ciência e a métodos empíricos de observação e experimentação, a conclusão a que posso chegar é que esta proposta, se possível, efetiva a noção de segundo discurso: nada se pode inferir sem o recurso da pesquisa científica.

Muito bem.

A filosofia é, por excelência, conceitual. Ter como objeto os conceitos, as abstrações, o próprio pensamento, é o que a define, e não creio que isto seja meramente um caso de apego à tradição. O pensamento filosófico é anterior à cultura científica, na medida em que busca fundamentos, pressupostos e identifica e avalia critérios.

Isto significa, em minha opinião de leiga em filosofia experimental, que uma abordagem empírica (e, portanto, indutiva) destrói o que diferencia a filosofia de outros saberes: o fato de ser inteiramente dedutiva. A verdade empírica, por mais importante que seja, não é verdade lógica, porque indutiva, probabilística.

A não ser que tenham encontrado um modo de "empiricizar" a filosofia preservando seu caráter dedutivo, acho improvável que a filosofia mantenha suas caraterísticas próprias ou independência em um projeto "experimental".

Wednesday, June 10, 2009

Peccatum philosophicum

O maior pecado que se pode cometer em filosofia, além do fato de acreditar que há pecados filosóficos, é o de nos atermos ao inessencial, ao detalhe, ao contingente, ignorando o essencial.

Bem, estou prestes a cometer esse pecado, e escolhi Kant para me assessorar na tarefa.

O que menos importa no texto kantiano são as citações em latim. É claro que elas têm o propósito de clarear o sentido do que se quer dizer, evitando ambiguidades, mas isto é apenas um detalhe.

Eis as citações em latim que retirei do texto À paz perpétua, no firme propósito de me ater ao que não interessa:

Reservatio mentalis – restrição
Miles perpetuus – exércitos permanentes
Percussores – assassinos
Venefici – envenenadores
Perduellio – traição
Bellum internecinum – guerra de extermínio
Bellum punitivium – guerra de castigo
Uti exploratoribus – uso de espias
Leges prohibitivae – leis proibitivas
Leges strictae – leis de eficácia rígida
Leges latae – leis permissivas
Leges preceptivae – mandado
Leges permissivae – leis permissivas
Possessio putativa – posse presumida
Statu iniusto – condição injusta
Ius civitatis – direito civil
Ius gentium – direito dos povos
Ius cosmopoliticum – direitos humanos
Forma regiminis – forma de governo
Forma imperii – forma da soberania
Foedus pacificam – federação da paz
Pactum pacis – pacto de paz
Civitas gentium – estado de povos
Furor impius intus – fremit horridus ore cruento: um ímpio e horrível furor ferve bem dentro da sua boca sangrenta
Providentia conditrix; semel iussit, semper parent: ordena uma vez, sempre obedecem.
Providentia gubernatrix – providência governante
Directio extraordinaria – disposição extraordinária
Natura daedala rerum – natureza criadora de todas as coisas
Formaliter – formalmente
Gryphes jungere equis – atrelar cavalos e grifos
Materialiter – materialmente
Causa solitaria non juvat – uma causa só não ajuda
Fata volenteum ducunt, nolentem trahunt – o destino guia quem lhe obedece e arrasta quem lhe resiste
Ultra posse nemo obligatur – ninguém é obrigado a ir além do que pode
Vae victis – ai dos vencidos!
Fac et excusa – atua e justifica-te
Si fecisti nega – se fizeste algo, nega
Divide et impera – cria divisões e vencerás
Primum inter pares – chefe supremo
Causa non causae – causa não causada
Problema tecnicum – dificuldade técnica
Problema morale – problema moral
Fiat justitia, pereat mundus – reine a justiça e pereçam os velhacos deste mundo
Tu ne cede malis sed contra audentior ito – não cedas ao mal, mas enfrenta-o com ousadia
Non titulo, sed exercido tais – tirano no exercício do poder, não na sua denominação
Potentia tremenda – dimensão terrível

Tuesday, June 09, 2009

O boi mudo da Sicília

A cidade de Aquino, onde nasceu Tomás, ficava na Sicília e Tomás de Aquino não era lá muito falante, segundo seus biógrafos. Por isso foi apelidado de "Boi mudo da Sicília".

Ainda estou por saber de onde vem o "boi" do apelido, mas suponho que houvesse nele, digamos, alguma lentidão nos gestos, ou talvez ruminasse idéias, ou talvez ainda a parte "boi" se refira ao fato de que era absurdamente gordo. Não era, claro. Ficou.

Provavelmente o apelido só fez sentido de fato na fase prá-lá de 150kg. É difícil ter agilidade e pesar tanto. E falar cansa.

Sunday, June 07, 2009

Natureza humana nudibrânquia

Só fiquei sabendo da existência do filósofo Bernard Wilson quando de sua morte, há cerca de dois anos. Não conheço nada dele, mas uma citação em Michael Walzer, Guerras Justas e Injustas, capítulo 4, me chamou a atenção.

Nela, Wilson defende que as ciências naturais têm de ser usadas pelos historiadores para compreender a política, cujo entendimento seria deficiente exatamente em razão desta falta grave.

Sinceramente, acho que ele andou assistindo demais ao Discovery Channel. Encontrou uma ligação onde ela não é plausível. As relações entre os Estados são, antes de mais nada, relações entre homens. E homens - isto é o que os distingue das outras espécies - são capazes tanto de seguir a natureza quanto de ir contra ela. Assumindo, é claro, que a natureza humana não se distingue da natureza dos nudibrânquios.

O contrário também serve, tá? A natureza "nudibrânquia" não se distingue da natureza humana.

Certo. É por isso que estamos nos matando uns aos outros (literalmente, não metaforicamente) e que a lei não tem força alguma para modificar essa situação.

Acho que ele se inspirou em leis de mercado para concluir pela aproximação entre comportamento humano e comportamento de - vá lá - nudibrânquios.

Pensando bem, até que ele pode ter razão.

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Considero uma grave deficiência por parte dos historiadores... o fato de ser tão raro que eles se interessem por fenômenos biológicos e zoológicos. Numa recente... filmagem que mostrava a vida no fundo do mar, vê-se um organismo primitivo chamado nudibrânquio devorando pequenos organismos através de um grande orifício numa das extremidades do seu corpo. Quando depara com outro nudibrânquio de tamanho apenas ligeiramente menor, ele engole esse também. Ora, as guerras travadas pelos seres humanos geralmente são estimuladas... por instintos semelhantes à voracidade do nudibrânquio. (Edmund Wilson, Patriotic Gore, Nova York, 1966), p. xi.

Saturday, June 06, 2009

São Golias

Você sabe quem foram os Goliards?

Eram os estudantes da Universidade de São Golias.

Fictícia.

A Universidade foi criada por estudantes franceses em 1977, baseando-se na tradição dos Goliards, poetas satíricos dos séculos XII e XIII.

Os Goliards tinham o hábito de escrever apologias a bebedeiras ou poemas contra a ordem instaurada. O termo passou a ser sinônimo de "vagabundo" porque os adeptos de São Golias eram jogadores desordeiros e beberrões, cujas sátiras eram dirigidas sobretudo à Igreja e aos papas.

E não é que a Idade Média tinha mais que devotos?

Friday, June 05, 2009

Lana Caprina: Sócrates e a pulga

Aristófanes, comediógrafo grego do século V a.C., não era lá muito amigo de Sócrates. O filósofo chega a se queixar do retrato que o comediógrafo faz dele, se não me engano, na Apologia de Platão.

Mas, por menos verdadeiro que seja, o retrato é divertido.

Estrepsíades, um velho malandro e nada inteligente, resolve estudar com os sofistas, cujo líder é Sócrates, para aprender a enganar os credores. Quando chega ao pensatório, um discípulo o recebe e se gaba da genialidade de Sócrates ao resolver um problema que os estava incomodando.

O problema consiste em saber quantas vezes uma pulga pode saltar a medida correspondente ao tamanho de seus pés.

A solução é simplérrima: mergulha-se os pés de uma pulga em cera quente. Quando a cera esfriar, é só medir o tamanho da botinha. Depois mede-se a distância entre a orelha de Querefonte e a cabeça de Sócrates. Pronto! Eis a resposta.

Fácil, não?

Difícil é saber como a ameba vê o mundo, mas isto Einstein já resolveu.

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Estrepsíades: ... Fale-me desse negócio que está abortado...
Discípulo: Não é lícito dizê-lo, só aos discípulos.
Estrepsíades: Então fale, coragem! Pois eu aqui vim ao "pensatório" para ser um discípulo...
Discípulo: Vou dizê-lo. Mas deve-se considerá-lo um mistério... Há pouco, Sócrates interrogava Querefonte sobre uma pulga. Indagava quantas vezes ela pode saltar o tamanho dos seus próprios pés, porque ela mordeu a sobrancelha de Querefonte e pulou para a cabeça de Sócrates...
Estrepsíades: Então, como foi que ele mediu?
Discípulo: Com a maior habilidade. Dissolveu cera; depois, tomou a pulga e mergulhou os seus pés na cera. A seguir, quando a pulga esfriou, ficou com umas botinhas à moda pérsica; ele descalçou-as e mediu a distância.
Estrepsíades: Ó Zeus soberano, que sutileza de pensamento!


Aristófanes, As Nuvens, 140ss

Thursday, June 04, 2009

Era uma vez

Uma escola de Tóquio estreou a grande novidade do futuro, ainda que previsível: em lugar do professor, um robô.

Com ele, diz a reportagem linkada no título deste post, as crianças se interessam mais pela escola. Coisa que, fica subentendido, os professores regulares já não conseguem fazer.

Mas por enquanto ele só sabe dizer a frase preferida dos professores atuais: "fiquem em silêncio".

Já imagino um futuro em que alguém dirá, a título de curiosidade:

"No passado, as pessoas ensinavam umas às outras, porque não havia professores-robôs".

Imagino ainda o interlocutor perguntando, espantado:

"E aprendiam?"

Wednesday, June 03, 2009

Rolou um puta que pariu

Encontrei em Michael Walzer, Guerras Justas e Injustas, capítulo 4, esta citação de Marx, em carta a Engels:

Os franceses precisam de uma derrota acachapante [escreveu ele em carta a Engels]. Se a Prússia sair vitoriosa, a centralização do poder do Estado será favorável à centralização da classe operária. A supremacia alemã deslocará o centro do movimento da classe operária na Europa Ocidental da França para a Alemanha e... a classe operária alemã é, em termos teóricos e organizacionais, superior à da França. A superioridade dos alemães com relação aos franceses... significaria ao mesmo tempo a superioridade da nossa teoria com relação à de Proudhon etc.

Como trata-se de citação de citação no livro de Walzer, deve-se conceder o benefício da dúvida a Marx. De qualquer modo, o que está escrito aí é que Marx julga importante que a Prússia vença a França porque

1) O operariado francês é inferior ao operariado alemão;
2) A vitória da Prússia implicaria em um ambiente mais favorável à revolução;
3) O ambiente mais favorável à revolução implicaria na superioridade do comunismo sobre o anarquismo.
Logo, a vitória da Prússia sobre a França é vantajosa para minha doutrina.

Então tá, franceses. Vamos lá perder a guerra (de modo acachapante, de preferência) só para que o comunismo seja superior ao anarquismo.

Ow, é isso mesmo? Que política internacional é essa que reduz seres humanos a marionetes destinadas a tornar vitoriosa uma teoria?

Desde quando a vitória em uma guerra passou a ser indicativo de superioridade moral e cultural?

Tuesday, June 02, 2009

Não sou nerd

Não tem jeito, sou uma pessoa comum, eu que me julgava nerd por me divertir trabalhando e trabalhar me divertindo.

Fiz o teste para saber se sou nerd, certa de que conseguiria uma pontuação bem expressiva, e que enfim poderia dizer: agora, sim, é oficial: sou nerd!

Ledo engano. Minha pontuação foi zero. ZERO.

Zero? Como assim?

Eu fiz tudo certo, e até entendi a piada sobre os números binários!

Vai ver que é porque não quero ser enterrada com o monitor. Prefiro ser enterrada com um laptop. Vou fazer o quê só com o monitor, fio? Tem lógica?

É, não adianta lamentar. Mas ainda posso dizer que "zerei" o teste. É um começo.

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Você obteve 0 pontos

Pessoa Comum! Você é um simples e comum humano, não possui nenhuma característica nerd. Deve se preocupar em manter os verdadeiros nerds em segurança, já que correm risco de extinção por serem assexuados.

Monday, June 01, 2009

O lenço da guerra

Lucky Luciano foi um dos grandes chefões da máfia nos Estados Unidos, comparável a Al Capone, e atuou sobretudo no período da lei seca. Luciano esteve envolvido em uma série de atividades criminosas, inclusive o tráfico de heroína.

O que ninguém sabe é que seu lencinho amarelo, com suas iniciais, foi o responsável pelo desembarque bem sucedido dos aliados na Sicília, em 1946.

A história é fantástica demais para ser verdadeira, mas conta-se que os americanos pretendiam entrar na Itália de Mussolini pela Sicília, dominada pela máfia. Na verdade, um desembarque já havia acontecido, limitado a regiões litorâneas, mas se os chefões aceitassem a presença dos aliados na região tudo seria mais fácil. Então recorreram a Lucky Luciano, que tinha conexões na ilha, mas cumpria pena em uma prisão americana. Luciano aceitou colaborar, e entregou um lenço amarelo com suas iniciais aos militares. A instrução era para o jogassem em uma região específica. Assim foi feito: um avião sobrevoou a ilha e deixou cair o lenço, que chegou às mãos dos chefões. Entendendo o recado, eles permitiram que os aliados instalassem na ilha uma base de operações.

Quem conta essa história é Bernard Michal, em Os Grandes Enigmas da Guerra Secreta. São Paulo, Otto Pierre Editores, 1973.