Wednesday, June 17, 2009

Indústria Cultural?

Encontro com tanta frequência uma interpretação errônea do termo Indústria Cultural, de Adorno e Horkheimer, que comecei a me perguntar se o engano não é meu. Fui conferir e não é. Ou, se for, continuo no erro, porque é como percebo.

Explico.

O que ouço frequentemente dentro da academia é que a Indústria Cultural nos faz consumir, sem pensar, produtos como sapatos, celulares, bebidas, roupas da moda etc. etc.

Quando digo que isto não é Indústria Cultural, escuto a mesma explicação, dita de outro modo, junto com a alegação de que eu não entendi, que a coisa é mais complexa do que estou pensando etc. etc.

Ow, Indústria Cultural, como o nome diz, se refere à indústria da cultura - e cultura no sentido restrito: produto cultural mesmo (música, cinema e literatura, especificamente).

Não tem nada a ver com sapato, peloamordedeus!

Sapato, celular, roupa etc, são produtos de indústria, e não da IC.

É claro que a IC funciona na mesma lógica da indústria (aliás, é por isso que se chama INDÚSTRIA, tá?), mas são coisas diferentes no produto que oferecem, o ponto exato em que há confusão.

O que a IC produz é simbólico, não material, como Adorno diz. É uma apropriação, pela lógica da indústria, da arte, tranformando-a em mercadoria e o artista, em operário.

Tudo bem, é possível que eu não tenha entendido nada, já que a maioria acha que Adorno está falando de mero consumismo, e não especificamente de consumismo de "mercadorias" culturais.

Mas insisto que sapato não é cultura. Tá, é produto da cultura, no sentido mais lato possível, mas não é cultura no sentido restrito. E é nesse segundo sentido que está Adorno.

Ou não?

11 comments:

Rodrigo Cássio said...

Sofista,
Pra mim, está claro que você tem razão. O que há de lato no significado de indústria cultural não diz respeito propriamente ao consumismo de todo e qualquer bem industrializado, como sapatos, mas sim à justificação ideológica de uma ordem social. E, nesse âmbito, permanecemos no simbólico. Certamente compramos sapatos quando a indústria cultural, na publicidade, constrói a nós mesmos como consumidores. Mas seria errado entender esse processo como um mero consumismo!

Rodrigo Cássio said...

(...)

Pra ser mais exato: não apenas na publicidade somos construídos como consumidores, mas em todos os aparatos da indústria cultural, que é um sistema.

No fundo, trata-se de um conceito sobre a subjetividade, que, no capitalismo tardio, confunde-se com a noção de consumidor.

sofista said...

Oi Rodrigo!

Estou inteiramente de acordo com o que escreveu. É uma pena, mas o que ando vendo por aí é uma confusão entre Indústria Cultural e Propaganda. O que a propaganda nos faz consumir é, por isso mesmo, Indústria Cultural.

Paciência.

Obrigada por escrever.

Atílio said...

Olá Sofista e Rodrigo

Esse erro, não exclusividade daqueles que pouco entendem do pensamento de Adorno (como eu).

Outro dia encontrei na internet um video da Marcia Tiburi, onde, num rápido comentário, ela diz que a indústria cultural nos faz comprar sapatos, correr para o shopping ou ao salão de beleza, etc.

Isso poderia passar despercebido, não fosse ela doutora no pensamento de Adorno.

Abraço,
Atílio

sofista said...

Oi Atílio!

Bem, pode até ser que eu não tenha entendido realmente, mas o que encontro nos textos de Adorno não é o que você escreveu acima, a respeito do vídeo.

Obrigada por passar por aqui e por escrever.

sofista said...

Atílio,

Ainda pensando sobre o que escreveu:

1. Gostaria que me enviasse o link do video que citou;
2. Supondo que a IC nos faça comprar sapatos: é possível (fazendo mesmo uma suposição), acredito, o entendimento de que a IC, por identificar o sujeito/objeto com o consumidor, nos faça adquirir produtos materiais por seu valor simbólico. Sandálias da Xuxa, p. ex. Só que, se for isso, também discordo. Primeiro, porque este não é um entendimento presente em Adorno, até onde posso dizer. Pode ser uma inferência a partir dele, mas não está nele (novamente, até onde posso dizer, porque, apesar de ter lido muita coisa de Adorno, não li tudo).
Continuo.

sofista said...

Continuando:

3. IC, em Adorno, refere-se à apropriação da arte pela lógica da indústria, com a diferença, como já disse no post, de produtos ofertados. Não se trata, então, de nos fazer comprar sapatos, roupas, chapéus etc. Essa apropriação se dá na lógica de mercado, na técnica de produção e divulgação do produto (pela publicidade), na escala de produção, na cópia (que faz com que a flor azul, se possível, caia na esteira de produção), no trabalhador (leia-se artista) alienado de seu trabalho, na apropriação do lazer e na transformação do artista em operário.
continuo

sofista said...

...E ainda, no novo que é o velho repaginado.
A diferença entre sapatos e o produto da IC é que o sapato é algo material. O que nos faz consumidores é a lógica do capital, independemente da IC. Isto aliena, sem dúvida. O que acontece, em meu entendimento, é que a lógica do capital se estende ao universo da arte de massa, retirando dela seu caráter contestador e submetendo-a à necessidade do lucro. Para isso, apropria-se de uma razão instrumental e vende-se sobretudo a idéia de que o artista é livre e que o consumidor é sujeito da indústria, seu rei.

sofista said...

Então, oferta-se um produto para divertir, sob a alegação de que o público só quer diversão, o que não é verdade. Mas o mais grave é que a arte/mercadoria, por ser simbólica e ter forte apelo emocional, é alienante por natureza.
Bem, não vou me estender mais.
4. Já que tenho de escrever sobre Adorno, acabei de escolher justamente esse tema, para tirar isso a limpo (embora não tenha dúvida alguma a respeito do que disse acima). Vou retornar a ele e, se descobrir que estou enganada, acrescento mais um comentário a este. :-)))

Anonymous said...

o link é http://www.cpflcultura.com.br/video/inacao-marcia-tiburi

Você está lendo Adorno no momento? Fiz um trabalho no semestre anterior na obra Educação e Emancipação e por conta disso me interessei bastante. Por conta disso comecei a ler a Dialética do Esclarecimento, mas devido ao tempo tive que abandonar a leitura. Se estiver interessada em montar um grupo de estudo em Adorno me informe.

Abraço

sofista said...

Atílio,

Obrigada pelo link.

Vale a pena ler Adorno. A idéia de montar um grupo de estudos é boa, e estou interessada, sim. Vamos ver como o semestre vai caminhar, e combinamos.

Abraço