Tuesday, July 14, 2009

Vida e morte de um fantasma

Assisti hoje a Phantom, de Murnau. Fantástico.

É difícil para mim, que não tenho um olhar "clínico" sobre o cinema, separar o diretor da narrativa. Murnau não é o autor da história, uma obra literária, e não li o livro, mas suponho que o modo como a conta seja em boa parte responsável por sua força dramática.

Lorenz, um rapaz pobre, sem perspectivas além de um futuro medíocre como funcionário público, é consciente disso e busca refúgio na literatura, tanto como leitor quanto como autor. Quer ser poeta, mas lhe falta talento. O espírito romântico e sonhador, no entanto, o torna vítima de seus desejos. Lorenz não quer, como a irmã, ascender socialmente; ele quer apenas correr atrás de sua fantasia, torná-la real. Por sua obsessão, toma uma série de decisões erradas, pelas quais terá de responder legalmente.

O evento que marca a mudança em Lorenz é um atropelamento, que o coloca em contato com uma jovem rica, bela e inacessível, o fantasma do título. Veronika é um fantasma no sentido psicanalítico, fetichizada, transformada em objeto sagrado cuja posse teria o efeito de preencher um vazio existencial. Ela o faz por sua ausência, por sua inacessibilidade, com uma força que quase o destrói. Veronika é a expressão desse vazio, algo que ele precisa conquistar para se sentir pleno, e cuja falta é sentida como presença. Veronika é a presença não-presente, a irrealidade que comparece como toda a realidade possível.

Lorenz tenta escapar de sua miséria emocional e intelectual, abstrata, lançando-se numa procura pelo Graal, pela salvação na posse do sagrado, do ideal. Como Parsifal, perde-se na procura, que não é outra senão a de si mesmo. Como Parsifal, tolo e idealista, é passível de se reencontrar na perda do sagrado.

Melanie, sua irmã, tenta escapar da miséria material pelo imediato, pela busca de conforto material que, julga, a prostituição lhe trará. Ambos se perdem e têm como resultado de suas escolhas a potencialização daquilo de que tentavam desesperadamente fugir. Mas Melanie busca a saída materialista; não há idealismo nela. Por isso, sua história é descendente. Lorenz, ao contrário, é idealista, e suas escolhas o levam à cadeia, mas também ao autoconhecimento. O menino Parsifal, que quer encontrar o Graal, agora é um homem que precisa contar sua história para expiar seus pecados e se reconciliar com suas perdas.

É possível ver a mão de Murnau na carruagem branca, fantasmagórica, que Lorenz visualiza sempre que tem de se decidir entre continuar sendo o que é ou dar mais um passo em direção ao que não quer ser.

A cena de Lorenz atormentado, caminhando pela cidade vazia, os prédios se inclinando sobre ele como se quisessem sufocá-lo, as sombras o perseguindo, é antológica.

Independentemente da história contada, a força narrativa de Murnau é de fato extraordinária.

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