Sunday, May 24, 2009

Escárnio dos filósofos pagãos

Alguns trechos de Escárnio dos Filósofos Pagãos, de Hérmias, o filósofo (séc I de nossa era):

Anaxágoras me toma consigo e me dá a seguinte lição: “O princípio do universo é o nous ou inteligência. Ele é o autor e senhor de todas as coisas, que põem ordem no que é desordenado, movimento no que está imóvel, distinção no confuso e beleza no que não é belo”. Gosto de ouvir Anaxágoras dizer isso e adiro ao seu ensinamento. Mas contra ele se levantam Melisso e Parmênides. Parmênides anuncia poeticamente que a essência é coisa única, eterna, imóvel e em tudo semelhante. Sem saber como, eu me transfiro para esse dogma. Parmênides expulsou Anaxágoras da minha mente. Mas, quando penso estar em posse de um dogma estável, Anaxímenes se intromete, gritando: “Eu, porém, te digo: o universo é ar, e este, condensando-se e solidificando-se, transforma-se em água e terra e, rarefazendo-se e espalhando-se em éter e fogo e, voltando de novo à sua natureza, em ar...” Também me acomodo com isso e torno-me amigo de Anaxímenes.
Mas aí está frente a frente Empédocles, resmungando e gritando em alta voz a partir do Etna: “Os princípios do universo são o ódio e a amizade, esta unindo e aquele separando, e a luta entre os dois realiza tudo. Eu os defino como semelhantes e dessemelhantes ilimitados e com limites, como eternos e que têm começo”.
- Bravo, Empédocles! Estou disposto a seguir-te até a cratera do vulcão.
Mas aí está agora Protágoras, puxando-me para outro lado, quando diz: “O limite e o critério das coisas é o homem; o que lhe cai sob os sentidos são coisas, e o que não cai não se encontra entre as espécies da essência.” Lisonjeado com esse raciocínio, fico gostando de Protágoras, pois ele atribui tudo o mais ao homem. Tales, porém, me desvia para outro lado com a verdade, definindo a água como princípio do universo: “Do úmido tudo se compõe e nele tudo se dissolve, e a terra se sustenta sobre a água”. E por que não acreditar em Tales, o mais velho dos jônios? Todavia, o seu concidadão Anaximandro afirma que o movimento eterno é um princípio mais antigo que o úmido, e que por ele algumas coisas nascem e outras perecem. Deve-se, portanto, acreditar em Anaximandro.
Mas também não é famoso Arquelau, que afirma que os princípios do universo são o calor e o frio? Todavia o grandiloquente Platão não está de acordo com ele, pois afirma que os princípios do universo são Deus, a matéria e o modelo. Agora sim eu fiquei convencido. Com efeito, como não hei de acreditar no filósofo que inventou o carro de Zeus? Atrás dele, porém, vem o seu discípulo Aristóteles, invejoso do seu mestre pela construção do carro, e define outros princípios: a ação e a passividade. O princípio ativo, que é o éter, é impassível; o passivo tem quatro qualidades: secura, umidade, calor e frio. Com efeito, tudo nasce e morre pela transformação desses princípios. Já estou cansado de ir para cima e para baixo com opiniões diferentes; vou ficar com o que Aristóteles pensa, e que ninguém venha me incomodar com os seus discursos.


Mas não fica com Aristóteles, não.

E la nave va.

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