Monday, February 25, 2008

Turismo intelectual (1)

Um certo Pierre Bayard publicou recentemente o livro "Comment parler des livres que l'on n'a plus lus" (como falar de livros que nunca lemos) e está vendendo bem.

Ele explica, segundo a reportagem clicada no título, que não gosta muito de ler e que nem tem tempo prá isso. Mesmo assim, é obrigado frequentemente a comentar livros que não leu, porque

a) Vivemos em uma sociedade em que a leitura ainda é sacralizada;
b) É praticamente proibido não ler certos livros;
c) É necessário ter lido um livro para ser capaz de falar sobre ele.

Bayard discorda dos três pontos assinalados acima. Tratam-se de restrições à "não-leitura" impostas pelo social que apenas promovem a falta de abertura no contato pessoal, além de gerar sentimentos desnecessários de culpa. Bayard também acha que é perfeitamente possível discutir um livro sem tê-lo lido, mesmo com quem também não o leu.

Sobretudo com quem também não leu, né?

Certo. Então posso comentar este livro que não li, já que o autor não só me autoriza, como me encoraja a fazer isso.

Bayard é professor de literatura da Universidade de Paris. Concordo que ele não precisa ler Proust para ser professor de literatura, desde que a aula não seja sobre Proust. O que não dá prá aceitar é que um professor de literatura afirme que não gosta de ler, que não tem tempo para isso e mais, que não precisa ler.

Ow, isso é má-fé e preguiça intelectual. Para esconder a preguiça até de si mesmo, Bayard inventa uma teoria sobre constrangimento social, como se fossemos obrigados a ler. Não somos, não. Um professor de literatura tem, sim, de ler. Um tradutor tem de gostar de ler. Um professor de filosofia tem de gostar de ler. Mas é só.

Hoje há filmes de boa parte da literatura de porte. Ver o filme e discutir as idéias que estão nele é uma coisa. Apenas ver o filme e/ou ler comentários acerca do livro e discutir com ares de grande entendedor é outra bem diferente. A preguiça intelectual é bem alimentada e a reputação idem.

Não estamos mais em uma era de grandes leitores. Não conheço uma só pessoa da nova geração que tenha lido uma única peça de Shakespeare e se sinta culpado por isso. Não conheço absolutamente ninguém desta nova geração que tenha lido Faulkner, ou alguém que se interesse em ler os clássicos. Onde está a culpa? A interação social de qualidade é prejudicada pelo preconceito contra não-leitores? C'mon.

É claro que a leitura de bons livros humaniza, nos torna mais capazes de enxergar o outro, amplia a cognição, torna o raciocínio melhor articulado, aprimora nossa leitura de mundo etc e tal. Mas Bayard não tem nada disso em vista. Ele apenas acha que teve uma sacada genial ao criar a teoria da opressão dos não-leitores contra os não-leitores para justificar o fato de que ele próprio, apesar de ser professor de literatura de uma das melhores universidades do mundo, simplesmente não lê.

4 comments:

Anonymous said...

Não li e não gostei. :)

Poxa Sofista, o cara tinha que dar alguma desculpa.

tilhio said...

Será que esse cara se acha algum tipo de gênio?

Infelizmente é comum encontrar gente que se encaixa nessa "tese genial". Não só com livros, mas também com filmes, reportagem de revista, etc.

Como é triste encontrar pessoas assim.

Abraços.

PS: Estou gostando das atualizações frequentes.

sofista said...

Oi Anônimo!

É verdade, ele precisa dar uma desculpa. Mas, se a teoria funciona mesmo, se é perfeitamente possível discutir uma obra que não leu, parecendo que leu, então prá quê estragar o jogo?

Que mané!

sofista said...

Oi Tilhio!

Pois é. Isso é apenas desonestidade. O resto é conversa fiada.

Estou tentando atualizar o blog com mais frequência. O tempo é que às vezes me deixa na mão. :-))

Abraços.