Friday, June 01, 2007

Progresso moral (1)

A tese positivista (ainda que avant la lettre) de que a humanidade caminha sem desvio para o progresso moral, penso, tem a ver com a afirmação de Aristóteles de que todas as coisas tendem naturalmente para o melhor. Esta tese é fundamental para Hegel, mas é em Kant que me interessa particularmente. Em A Paz Perpétua, que já mencionei aqui várias vezes, há uma longa passagem sobre o modo como a natureza percorre esse caminho. Um dos argumentos em favor da paz duradoura entre os Estados é que, se não a aceitarmos agora, mais cedo ou mais tarde seremos obrigados a aceitá-la. Claro, se recusarmos a idéia de paz duradoura, o único resultado possível é a guerra. A guerra é insuportável, porque gera consequências de toda ordem. Logo, se houver uma guerra duradoura entre as nações, elas serão forçadas a considerar novamente uma negociação que resulte na paz, mas que tenha em vista a manutenção deste estado.

Certo, mas a premissa que está por trás desta afirmação é a de que o homem tende a ser mais racional. Isto é, a humanidade tende ao progresso moral. Por isso, diz Kant, falar em paz perpétua não é utopia.

Minha dificuldade é justamente esse pressuposto. Não se pode negar que os Estados, as leis e a humanidade estão mais racionais que no passado. Defender esse ponto de vista é fácil: basta citar o que as gerações anteriores consideravam normal e que julgamos hoje ser inaceitável (como a tortura, que na Idade Média era o único meio legítimo de extrair uma confissão; como o trabalho infantil, o trabalho escravo, o papel da mulher na sociedade etc etc). Ainda existe tortura? Claro, mas hoje ela é um crime. Ainda existem assassinatos por ciúme? Claro, mas quem é capaz de defendê-los? As leis estão sim mais racionais e, sob certos aspectos, nós também (é claro que isso não tem nada a ver com ciência e misticismo, o que não me interessa discutir agora).

Por outro lado, isto significa dizer que não é possível o retorno à barbárie. Isto é, que a humanidade caminha inexoravelmente para o melhor. Com esta premissa, não posso concordar. É certo que, se considerarmos um único indivíduo, sem dúvida na idade adulta ele é mais racional que quando bebê (considerando uma compreensão de mundo mais abrangente, a percepção do outro etc). Mas um indivíduo não pode, por doença ou acidente, retornar à idade mental de um bebê? É claro que pode. Será que algo parecido não pode acontecer com a humanidade? Por exemplo, uma guerra de proporções catastróficas, que nos faça duvidar da eficácia da razão na solução de nossos problemas e nos faça aceitar qualquer coisa, desde que nos dê uma sensação de conforto, ou a alienação pelo misticismo, ou pela dispersão de todos os valores?

Talvez este seja o momento em que Kant diria: é hora de voltar a falar em paz. Não sei. Talvez seja hora de falar em cataplasmas, apenas.

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