Sunday, May 11, 2008

Richter , ou a arte da provocação

Ouvi outro dia, a respeito dos filmes de Hans Richter, precursor do cinema de vanguarda, o argumento de que a verdadeira arte é a que fica. A prova de que o cinema de Richter tem valor reside no fato de que até hoje nos sentimos afetados por ele de algum modo, já que até hoje falamos sobre ele e elaboramos teses e dissertações acerca de seus filmes (ainda que em círculos restritos).

Bem, eu faço uma outra leitura dessa "permanência" de Richter no cenário intelectual: nós ainda falamos sobre ele porque até hoje não compreendemos o que quis dizer (se é que quis dizer alguma coisa). Continua obscuro. Logo, continua instigante.

A afirmação da relevância com base na duração é legítima, sem dúvida. Cristo está aí até hoje, assim como Buda, Maomé e Elvis Presley. Mas não creio que o argumento da relevância histórica possa ir além disso e permitir inferir dela a qualidade do que é avaliado. Isto não significa, claro, afirmar que o cinema de Richter não tem valor. A ressalva é quanto à natureza da defesa deste valor.

3 comments:

Anonymous said...

Oi, Sofista!

Eu não penso que a obra do Hans Richter tem valor porque é a que fica. Esse tipo de argumento não me parece válido. Ou melhor, não é propriamente um argumento, e sim uma constatação. Nada se diz, com isso, a respeito da natureza do valor.

Pode ser que, ao contrário do que parece, o valor seja atribuído à arte exatamente porque ela ficou. Logo, a arte não fica porque tem um valor inerente, e sim por algum outro motivo qualquer.

Esse motivo, como você diz, pode ser a obscuridade, rs. O que não implica que essa obscuridade não seja relativa a uma certa concepção de clareza, de não-obscuridade. Até a nossa vontade de compreender seria elaborada a partir desse costume com as obras não-obscuras que estão aceitas pelo nosso sentido estético.

Em outras palavras: Richter é obscuro para nós porque exigimos dele que seja algo que ele não se propôs a ser. O que talvez elimine a possibilidade de o seu argumento servir para provar o valor da obra - ele pode explicar apenas a permanência; e eu concordo com você.

Um abraço!
Rodrigo

Anonymous said...

Um emenda necessária: eu concordo com você que a permanência se explica pela intriga que a obra representa; mas não concordo que esse caráter de obscuridade seja inerente à obra (não é inerente, assim como certamente não é possível se falar de obras que têm valor inerentes a elas).

Assim, se o nosos padrão estético fosse a vanguarda, certamente estaríamos debruçados sobre "Casablanca" ou "E o vento Levou" para entender como essas obras conseguiriam ser tão "obscuras", rs.

sofista said...

Oi Rodrigo!

Não posso discordar de tudo que escreveu. Há realmente uma queixa de falta de clareza, mas concordo que ela se deve à cobrança improcendente por algo que não pode estar lá, por não ser o propósito. Certo, reconheço que é assim. Mas me parece que a falta de sentido transforma tudo num jogo de adivinhação que resulta na conclusão "não tem sentido mesmo, e não é para ter".

E lá vou perguntar: qual é o sentido em não ter sentido? Quero dizer, qual é o sentido em ter sentido apenas por não ter sentido?
Isso não faz sentido para mim. :-)))

Confesso a dificuldade.

Escreva sempre!