Tuesday, March 03, 2009

Monarquia universal

Eis os argumentos de Dante a favor da monarquia universal (leia-se: império romano revivido):

"É pertinente ao povo mais nobre governar os outros, assim como é justo e conveniente que o homem mais nobre comande os demais. Toda supremacia é uma honra, então toda supremacia é recompensa da virtude".

É bem verdade que o entendimento de política, no período anterior a Maquiavel, associa a vitória e o poder à dignidade moral, mas isto é um equívoco, porque ignora as relações políticas, sociais e o mero exercício da força como condições que estão na base do poder.

"O ser cujo crescimento recebe o auxílio de Deus é querido de Deus e legítimo. O Império Romano recebeu ajuda de milagres para chegar à perfeição. Portanto, o Império Romano foi legítimo e querido de Deus".

Não sei a que milagres Dante se refere, mas nenhuma das afirmações acima pode ser demonstrada. É fácil imaginar sua validade para quem acredita na primeira premissa, mas é exatamente por apresentar razões religiosas para justificar uma tese política que como teórico político Dante foi bom soldado.

"Todo aquele que deseja o bem da República procura o fim do Direito. O fim da sociedade é o bem comum. Quem visa o bem comum visa também o Direito. O Império Romano visava o bem comum, porque suas guerras e conquistas acabaram com as hostilidades. Logo, o Império Romano visava o Direito".

Esse argumento é péssimo, porque usa o sucesso do imperalismo militar como prova de sua moralidade. As guerras e conquistas do império romano podem até ter acabado com as hostilidades, mas pela força.

"Quem se propõe o fim do Direito intenta subir legitimamente. Assim, o povo romano, sujeitando o orbe, procedeu legitimamente".

Mesmo argumento do anterior.

"A natureza hierarquiza os seres conforme suas aptidões. O fundamento do Direito se liga a esta ordem. O povo romano foi destinado ao comando pela natureza, nos moldes do já havia dito Aristóteles sobre as diferenças sociais entre os homens".

É verdade que o império romano foi bem sucedido devido à sua habilidade militar, mas daí concluir que a natureza, que diferenciaria os seres humanos em mais aptos e menos aptos militarmente, é um pouco demais.

"As intenções divinas são ora evidentes, ora ocultas e se dão a conhecer pela razão e pela fé. Neste caso, a salvação e a justiça. Mas há juízos de Deus que a razão humana não pode conhecer senão pela revelação, pela oração e pela prova. A prova pode se dar por sorte ou por combate (duelos), de onde podemos tirar duas teses:
a) Deus se interessa mais pela luta coletiva que pela individual. O triunfo é conseqüência do juízo de Deus. O povo que triunfou na luta pelo Império do mundo triunfou por juízo divino. b) O que se adquire em duelo se adquire legitimamente, desde que o duelo aconteça no desejo de se fazer justiça. O povo romano adquiriu o Império por duelo. Portanto, o fez legitimamente".

A crença de que a vitória no duelo é expressão da justiça (porque a vontade de Deus atuaria, e esta vontade é pela justiça) é própria deste período, e de épocas posteriores. Vá lá. É uma falácia, mas obedece à lógica do período.

"Cristo nasceu sob o Império Romano. Se este Império não foi legítimo, também não o foi o nascimento de Cristo. Como o nascimento de Cristo foi legítimo, segue-se que também o foi o Império".

Mesmo que o nascimento de Cristo tenha sido legítimo, seja lá o que isso quer dizer, não se segue que o império sob o qual ele nasceu seja também legítimo.

"Se o Império Romano foi legítimo, o pecado de Adão não foi punido em Cristo. Ora, sabemos que o pecado de Adão foi punido em Cristo. Logo, o Império Romano foi legítimo".

Esse argumento também é um assassinato à lógica. Não há relação necessária entre a legitimidade do império e o pecado de Adão punido em Cristo, ainda que aceitemos as duas afirmações em separado.

Ergo...

A posteridade fez bem em esquecer o livro A Monarquia. Nada acrescenta.

Mas, cá entre nós, acho que devíamos esquecer o poeta também.

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