Wednesday, June 28, 2006

A (des) importância social do bordado

É evidente que o bordado é uma coisa absolutamente inútil. Tricotar faz sentido; costurar faz sentido, mas bordar não faz sentido algum.

Apesar disso, as pessoas bordam. Não tanto quanto antigamente, claro, mas bordam.

Por que será?

Por que esta prática estranha, vazia de sentido e nociva para a coluna tem-se mantido ao longo da história, apesar de sua notória inutilidade?

Eu poderia tentar explicar a função do bordado com a tese de que a experiência estética é tão ou mais importante que todas as outras experiências sensoriais, mas não é. Abrigar-se do frio é certamente muito mais importante que abrigar-se do frio usando um casaco bonito.

Eu poderia também dizer que se trata de um fenômeno cultural: este foi o modo encontrado pelos homens para manter as mulheres submissas: o bordado toma o tempo livre tanto das solteiras quanto das casadas, tanto das novas quanto das não-tão-novas. Mas isso também não pode ser: no Egito Antigo os homens é que bordavam, não as mulheres (a confiar no que os gregos escreveram sobre os egípcios, sabe-se lá com que propósito).

Eu poderia ainda lembrar que existe uma explicação marxista e uma explicação freudiana para tudo, e que nenhuma investigação decente pode esquecer Freud e Marx para se manter decente, culta e bem fundamentada.

Então.

A coisa toda se explica na origem, pelo modo de produção: na antiguidade os escravos, produtores de bens de consumo, deixavam por conta da aristocracia o "estar desocupado" tão útil ao cultivo do espírito. Consequentemente, os interesses da nobreza voltaram-se para atividades que tinham como objetivo não a produção de bens de consumo, mas o uso qualitativo do tempo livre. Isto é, o valor de uso ficava restrito à mão-de-obra escrava. Aos homens livres e ricos, impunha-se um outro valor: o estético.

E pronto, Marx já explicou.

Quanto a Freud, bem, vamos ter de falar do desejo e relacioná-lo à beleza que o bordado, em algumas épocas, conferiu às vestimentas. Acrescente-se (1) o efeito terapêutico do bordado em personalidades moderadamente histéricas (mas não em personalidade demasiadamente histéricas, por razões óbvias), (2) sua função catártica, (3) a possibilidade de sublimação da mesmice cotidiana que o número infinito de tramas oferece, (4) liberação do imaginário pelo uso criativo do tempo livre. E já se disse tudo o que há para dizer.

Eu poderia ainda tentar explicar o fenômeno sob o viés do freudo-marxismo, mas acho que não precisa não. O caso todo é bem simples: o bordado é inútil mesmo.

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