Saturday, December 30, 2006

As vinhas da ira

Aproveitando que hoje estou para a literatura, lembrei da passagem que julgo mais desconcertante de uma obra literária. Ao menos, das que li. É de John Steinbeck, e encontra-se ao final de As Vinhas da Ira.

A história gira em torno de uma família miserável e sua luta pela sobrevivência. O episódio do laço de fita da filha adolescente também é perturbador, mas a imagem mais forte da obra, em minha opinião, é o momento final, em que a família encontra-se mais miserável que antes, em meio a outros miseráveis. Entre eles, há um homem adulto literalmente morrendo de fome. A mãe, que havia dado à luz recentemente, compadece-se do homem e oferece o seio, para que ele mame como um bebê.

Não tenho certeza, mas acho que essa passagem me perturbou porque descreve uma miséria tão absoluta que leva um homem adulto a se alimentar do leite de uma mulher. Há algo de sórdido nessa situação, não no ato em si, mas na necessidade dele.

De todo modo, é desconcertante.

Thursday, December 28, 2006

O som e a fúria

Que Shakespeare é um evento na história da humanidade, ninguém pode negar. Afinal, entre outros méritos mais conhecidos, ele inventou 25% do vocabulário da língua inglesa, além de ter renovado o teatro inglês. Também é inegável sua influência sobre outros escritores. Uma delas, talvez a mais significativa, é sobre William Faulkner.

Faulkner escreveu sua obra mais conhecida a partir tão somente das últimas palavras de Macbeth, na peça de mesmo nome.

Macbeth, instigado por sua esposa, faz tudo o que está a seu alcance para obter poder. Engana, trai, mata e, por fim, obtém tudo o que quer. Quando enfim é proclamado rei, Lady Macbeth se mata. Sob o efeito da notícia, Macbeth diz, em uma das passagens mais belas da obra de Shakespeare:

"A vida é uma história cheia de som e fúria, contada por um idiota, significando nada".

A peça acaba aqui, mas Faulkner utilizou esta frase para fazer exatamente o que diz Macbeth sobre a vida: contar, em parte pela ótica de um deficiente mental, uma história cheia de som e fúria, significando nada. O resultado é a obra-prima O Som e a Fúria que, como as peças de Shakespeare e os romances de D.H. Lawrence, para não citar todos os grandes escritores, não valem pela história que se quer contar, que pode ser banal, mas pelo modo como é contada. No fim das contas, a obra de Faulkner é cheia de significados.

Tuesday, December 26, 2006

A indústria cultural já era

No ano passado os Rolling Stones vieram ao Brasil. O show, na praia, atraiu milhares. Fiquei me perguntando porque essas figuras ainda são capazes de atrair multidões. Claro, há o fato de que estão na mídia há quarenta anos, o que já serve para despertar o interesse, mas continuo surpresa que consigam atrair jovens de dezoito, vinte anos, para seus shows. Penso que isso é resultado sobretudo do fato de que a indústria cultural não faz mais ídolos como antigamente. Depois de Michael Jackson, qual é o grande sucesso da mídia? Que Michael Jackson ou Madonna não vendam mais como antigamente é fácil de entender: as novas gerações querem outra coisa. Mas o que é digno de nota é que a esteira de produção da Indústria Cultural não consegue mais fabricar ídolos como os que mencionei, porque não é mais capaz de fabricar o gosto como antes. Não há uma causa única para isso, mas acredito que o motivo principal é o advento da internet. Há opções demais; tudo é fragmentado, e tem-se acesso fácil a quase tudo, inclusive a artistas de garagem.

Saturday, December 23, 2006

A chácara do tio Gugu

Na infância, eu costumava viajar com a família para uma cidade do interior, onde ficava hospedada, juntamente com vários parentes, na chácara do Tio Gugu. A casa era bastante espaçosa, com vários quartos, e pertencia à família há coisa de um século. Nela, várias pessoas haviam morrido, ainda no tempo em que os doentes ficavam em casa. Por essa razão, havia um sem-número de histórias de fantasmas, de espíritos que vagavam pelos corredores, coisas assim.

Em uma destas viagens, estava no quintal da casa com os primos, de mesma idade, mas por uma razão qualquer de que não me lembro, eles me excluíram da brincadeira. Sem alternativa, passei a caminhar sozinha pelos limites da chácara, me afastando da casa. Então vi um toco de uma árvore que havia sido cortada e me surgiu uma idéia para ser aceita novamente no grupo. Sem pensar muito, comecei a gritar e a chorar.

Beleza. Logo os primos apareceram, correndo esbaforidos, e querendo saber o que tinha acontecido. Eu apontei para o toco de árvore e disse ter visto um rosto ali.

Não vi. Era só prá chamar a atenção mesmo.

De início, todos riram, mas eu me mantive firme. Quando tentavam se aproximar da árvore, eu gritava para não fazerem isso, que tinha alguém ali olhando para nós, etc etc. Tanto insisti, tanto gritei de medo que o inusitado aconteceu: alguém mais viu o rosto! E então, um a um, todos começaram a ver. Uma prima ensaiou um desmaio, outra começou a soluçar alto. Em pouco tempo o grupo estava aterrorizado... e eu estava estupefata.

Por que todo mundo via o rosto e eu, não?

A estratégia para ser aceita no grupo me deixou de fora dele: todos viam o rosto na árvore, mas eu só via a árvore. E fiquei indignada de novo: por que só eu não vejo? O que há comigo que não consigo ver?

Então uma tia, que escutara os gritos, surgiu, riu da história, deu uns tapas na árvore e acabou com a farra, mas o episódio não terminou aí. Não para mim.

Durante muito tempo, tentei entender o que havia acontecido; porque eu havia sido excluída do privilégio de ver o rosto, quando eu mesma tinha alertado a todos sobre ele.

Então, muito tempo depois, compreendi: eu havia acreditado em minha própria mentira, simplesmente porque todos acreditavam nela. Eu sabia que era mentira, mas quando meus primos começaram a gritar e chorar, acreditei mesmo que eles viam o rosto na árvore, que havia de fato algo ali.

Neste episódio a semente do ateísmo foi plantada em minha cabeça. É claro que foi preciso muito tempo para que tomasse forma, mas a sensação de acreditar no que eu havia inventado, no que sabia que não era real, e nem mesmo imaginação minha, me fez perceber como é fácil nos iludirmos. Bastou, nesse caso, que outros acreditasssem ou fingissem acreditar para se tornar real mesmo para o autor da mentira.

Thursday, December 21, 2006

Karma 101

Meu karma 101 é o ateísmo. Algo com que tenho de conviver nesta vida, como resultado do que fui na vida passada, e como estágio de evolução para a próxima vida.

Algo que veio sorrateiramente, modificando meu modo de perceber a existência humana, sem que eu me desse conta até ser tarde demais. Não percebi que estava perdendo a fé em deuses, em bandas de rock, em filósofos e em novelas de tv.

Se tivesse percebido, teria reagido.

Acho que devo tomar o chá de santo daime para ampliar minha consciência.

Talvez experimentar a Yoga outra vez e me imaginar uma árvore, depois um passarinho, depois o vento, e depois o passarinho de novo e depois a árvore e então eis-me aqui outra vez, impaciente prá me levantar e ir embora.

Talvez testar a falibilidade das cartas de tarot e descobrir que, afinal, acerta-se muito mais do que se erra... desde que eu esqueça que os enunciados são tão vagos que praticamente não há possibilidade de erro.

Talvez deva virar budista, rosa-cruz, teósofa... e aprender uma meia-dúzia de máximas que me conduzirão placidamente pela vida, e que repetirei à exaustão, para que todo mundo possa se conduzir tão placidamente quanto eu.

Talvez deva reler a Bíblia pulando o livro de Números, ou minha firmeza de propósitos morre aí.

Talvez eu deva começar a prestar atenção em borras de café.

Talvez deva observar melhor as batatas fritas antes de comê-las.

Talvez deva tentar ser uma bruxa, mas posso acabar sendo apenas a bruxa do 71.

Talvez não.

Talvez deva simplesmente seguir em frente com meu karma 101.

Wednesday, December 20, 2006

Filosofia: prá quê?

Falando muito sério: o que a filosofia pode trazer ao homem de hoje que não se possa conseguir por outra via?

As alegações costumeiras são de que a filosofia provoca a reflexão crítica, faz pensar, garante a autonomia do sujeito e, diz-se, a manutenção da ética.

Mas, por hipótese, consideremos o caso em que a filosofia desapareça. Vamos viver na escuridão e voltar à Idade Média? Não há cientistas, sociólogos e antropólogos que nos convidam à reflexão crítica?

Bem, convido à reflexão crítica sobre a filosofia. Sem ela, não teríamos as ciências, é verdade, mas já temos. Sem ela, não teríamos a lógica, é verdade. Mas hoje já temos a lógica. Sem ela, não teria havido a ruptura com o mito, mas essa ruptura já foi feita. Ainda que o mundo voltasse à Idade Média, a ruptura já foi feita; o caminho já está aberto.

Ouço dizer que sem a filosofia não teríamos noção de cidadania, de ética, de sujeito. Sem ela, não haveria liberdade de pensamento. Concordo inteiramente; não há como negar tudo isso, mas estes valores já estão incorporados ao mundo ocidental, pelo menos.

Quando perguntamos qual é o valor da filosofia hoje, a resposta sempre nos remete ao valor histórico da filosofia. É este o meu ponto. Então, continuo querendo saber: qual é o valor da filosofia HOJE, no mundo como está HOJE, e não como era na Grécia do século VI a.C., no medievo e no período moderno?

Monday, December 18, 2006

Pré ou pós?

Ouço com bastante frequência a máxima de que um filósofo antigo e medieval antecedeu um outro, contemporâneo ou mesmo moderno. Algo como dizer, por exemplo, que Protágoras, o sofista, é pré-kantiano (tese de um tal Theodor Gomperz, historiador). É claro que esta tendência se registra apenas naqueles casos em que um filósofo considerado "menor" exerceu influência sobre o pensamento de um filósofo considerado "maior".

O que me incomoda é exatamente o entendimento de que o primeiro filósofo é limitado porque não chegou até onde poderia ter chegado, e que foi preciso um outro, maior, para extrair das premissas do primeiro as suas consequências possíveis. Isto supõe que os filósofos não estão sujeitos a determinações históricas e culturais, que não são filhos de seu tempo. O óbvio, para mim, é que Hegel é posterior a Heráclito, e não que este antecipa aquele.

Aliás, esta é uma visão bastante hegeliana, de que a filosofia é um grande sistema que incorpora premissas contraditórias porque cada uma delas representa um passo em direção a um estágio superior, como se os filósofos estivessem todos subindo uma escada, mas cada um sobe apenas um degrau e diz: "Já fiz a minha parte. Agora é com você, que enxerga mais além por estar um degrau acima".

Este entendimento também deixa entrever a visão de que a filosofia hoje prescinde do estudo de seus antecessores. Basta a filosofia moderna e contemporânea. Os demais são pré.

Para mim, os contemporâneos é que são pós. Não há como entendê-los bem sem entender os conceitos fundamentais com os quais trabalham, e estes conceitos estão na história da filosofia.

O gigante cego de Schopenhauer (de Newton, mais precisamente), enxergando com os olhos do anão em seus ombros, não tem nada nada a ver com isso.

Sunday, December 17, 2006

Cristo antes de Cristo

Descobri hoje, assistindo a um documentário da Discovery, que Cristo nasceu antes de Cristo. Considerando que se trata do filho de deus, tudo é possível, mas o caso é bem mais prosaico: trata-se pura e simplesmente de um erro. Humano, claro.

O calendário cristão, elaborado no ano 525 d.C. por Dionísio, o Menor, está errado, para menos, em 5 anos.

Dionísio se baseou no calendário juliano para criar o calendário que adotamos até hoje. A contagem que fez do reinado dos imperadores romanos não incluiu os quatro anos em que Otávio reinou com esse nome, antes de se tornar Augusto, e deixou de considerar o ano zero. Portanto, está defasado em cinco anos, o que significa que Cristo nasceu no sexto século antes de Cristo. E sem a ajuda de um milagre.

Estamos na verdade no ano 2012 e a virada do século aconteceu em 1995/1996.

Imagine o prejuízo financeiro de mudar as datas hoje.

Friday, December 15, 2006

Atrocidades da Bíblia

Encontrei o site (linkado no título deste post) sobre as supostas atrocidades encontradas na Bíblia. Sinceramente, não vejo sentido nesse tipo de coisa. Para quem crê, isso não diz nada. Afinal, Deus age como lhe convém. Ou, como diria Kierkegaard, ser religioso é ser capaz de, se necessário, ir além dos valores humanos. Para quem está indeciso, tem pouca cultura e pouco discernimento, as supostas atrocidades podem até servir de desculpa para sair por aí defendendo um ateísmo que nada mais é que ressentimento. Enfim, para quem não crê, pouco importa que a Bíblia corresponda à moralidade e à ética do homem de hoje. Afinal, não passa de um livro cheio de histórias, provérbios, alguma poesia e muitas lições sobre como se deve viver para alcançar o paraíso.

Para mim, o Velho Testamento é de longe mais interessante que o Novo, pela história. Fantasia por fantasia, todos os povos antigos tiveram a sua. E, depois, é fácil compreender que um povo guerreiro precise de um deus guerreiro (afinal, Zeus não era isso mesmo?). As qualidades morais, digamos assim, de um guerreiro são o caráter implacável com os inimigos, a força física, a coragem, a firmeza de propósitos e o apego apaixonado ao que defende. Já dizia Platão que um guerreiro que chora como uma mulher no parto não serve para vigiar uma cidade. Mas, se for embrutecido demais, torna-se um perigo para a cidade. O deus dos judeus do Velho Testamento é capaz de se sensibilizar com o sacríficio, mas é sobretudo um guerreiro para um povo que precisa se defender e conquistar.

Mas logo vieram os romanos, e os judeus deixaram de ser livres. Para um povo assim, o do Novo Testamento, as principais "virtudes morais" que o deus deve ter são o amor e a compaixão. O deus-rei de um povo que sofre deve, antes de tudo, ser pai, e pai misericordioso, que perdoa, que não exige sacrifícios, mas que é capaz do maior sacrifício: abrir mão de seu único filho, o princípe, em benefício de seus súditos. Que povo agraciado! Só assim é possível ter esperança novamente: o guerreiro voltará, montado em um cavalo alado, para vencer o grande inimigo em uma batalha final, mas só no futuro. Até lá, precisa-se de pai, porque o pai ama seus filhos e sabe o que é melhor para eles.

Wednesday, December 13, 2006

Ariano

Encontrei, no prefácio do autor a "O Santo e a Porca", de Ariano Suassuna:

"Pior que do que o escuro em que nos debatemos é a mania de ser dono da luz" (p.23).

E mais ainda, no parágrafo seguinte:

"A vida é uma traição, uma traição contínua. Traição nossa a Deus e aos seres que mais amamos. Traiçao dos acontecimentos a nós, dentro do absurdo de nossa condição, pois, de um ponto de vista meramente humano, a morte, por exemplo, não só não tem sentido, como retira toda e qualquer possibilidade de sentido à vida".

Sunday, December 10, 2006

Unidade do céu por redução ao absurdo

"É evidente que há apenas um céu, pois no caso de uma pluralidade de céus (como há uma de homens), os princípios motrizes - dos quais cada céu teria um - seriam unos do ponto de vista da forma, mas numericamente muitos. Entretanto, todas as coisas numericamente múltiplas possuem matéria (pois uma e mesma definição aplica-se a muitos indivíduos, por exemplo, a definição de homem, mas Sócrates é singular); contudo, a essência primária não possui matéria, porque é realização completa. Portanto, o primeiro motor, o qual é imóvel, é uno tanto do ponto de vista da fórmula quanto do número. E, portanto, assim é também o que está eterna e continuamente em movimento. Conclui-se, assim, que há apenas um céu." (Aristóteles, Metafísica X).

Resumindo:

Se existissem vários céus, cada um teria um princípio gerador.
Esses princípios geradores seriam muitos, mas teriam a mesma essência (de princípio gerador);
Ora, aquilo que é múltiplo é de natureza material;
Portanto, a matéria teria de ser princípio originário de toda matéria, o que é um absurdo.
Logo, só há um céu.

A redução ao absurdo consiste em supor a verdade da tese contrária à que se quer defender, extrair dela suas consequências possíveis e demonstrar que ela se autocontradiz (ou seja, nega e afirma a respeito do mesmo objeto). Então, se a tese contrária à minha (há vários céus) é falsa, conclui-se a verdade da minha tese (so há um céu).

Voltando ao argumento, não creio ser verdadeira a suposição de que cada céu tenha um princípio motriz distinto dos demais e que esse princípio seja necessariamente imaterial, ou seja, que a matéria não pode ser o princípio originário de tudo o que é material.

Será mesmo que não?

E se a diferença ocorrer na passagem de um para outro? Quero dizer: a matéria/causa pode originar, no processo, não só a matéria/efeito, mas também aquilo que diferencie, ainda que não substancialmente, a matéria/efeito da matéria/causa.

Ihhh...

Estou de férias. Preciso disso não.

Thursday, December 07, 2006

Falta do que fazer

O pesquisador e advogado criminalista americano Darnay Hoffman quer porque quer provar que Moisés foi assassinado.

Reza a lenda que Moisés desapareceu. Ele seria um dos três personagens bíblicos, se não me falha a memória, que teriam sido levados ao céu em vida (Maria não incluída).
O pesquisador acredita que Moisés, para acalmar o povo descontente, teria sacrificado seu próprio irmão, Aarão. Finéias, neto de Aarão, teria em seguida assassinado Moisés na entrada do Tabernáculo, para vingar a morte do avô. Ao que parece, a tese de assassinato foi defendida também por Freud, só que atribuindo a responsabilidade ao povo de Israel, e não a um indivíduo em específico. E, claro, Freud também não foi preciso quanto ao local do crime. Só mesmo um advogado criminalista para saber disso, né?

Mas, francamente, prá que serve esse tipo de informação, exceto pelo fato de que pode tornar seu defensor famoso e - quem sabe - rico?

Tuesday, December 05, 2006

Fitche

Sempre tive curiosidade em ler alguma coisa de Fitche, de que não conheço absolutamente nada, e resolvi aproveitar as férias para me apresentar o filósofo alemão. Fui ao volume 26 da Coleção Os Pensadores, e o que encontrei? Um título absolutamente insólito (depois dos de Kierkegaard, o campeão): COMUNICADO CLARO COMO O SOL AO GRANDE PÚBLICO ONDE SE MOSTRA EM QUE SE CONSISTE PROPRIAMENTE A NOVÍSSIMA FILOSOFIA... Um ensaio para forçar o leitor à inteligência.

Estou lendo, claro. Senti-me forçada à inteligência e, diga-se de passagem, encantada com a arrogância do título e do ensaio. Como o filósofo diz, é a terceira vez que explica sua doutrina, e espera não ter de se explicar novamente.

Ah, tá.

Confesso que acho fascinante essa arrogância douta. Para quem não acredita em muita coisa, esse ar de seita de mistérios, de coisa inalcançável, acaba me seduzindo de algum modo. Agora preciso conhecer Fitche.

Só não entendi duas coisas: se o comunicado é claro como o sol, por que o autor julga que vai forçar o leitor à inteligência?

Sobretudo, por que o autor julga que o entendimento de sua doutrina força o leitor à inteligência?

Bem, ainda estou lendo. Quando terminar, talvez eu venha a saber.

Friday, December 01, 2006

Kamala e Amala

Acredite se quiser: em 1920 o reverendo Joseph Singh, missionário responsável por um orfanato na Índia, foi informado pelos habitantes do local que duas figuras fantasmagóricas acompanhavam um bando de lobos, na selva de Bengali. Intrigado, Singh construiu um esconderijo em uma árvore e esperou. Quando a noite veio, os lobos chegaram. Entre eles havia duas figuras horrendas, com pés, mãos e corpo iguais aos de um ser humano, que corriam usando os quatro pés e tinham olhos brilhantes.

Singh capturou as duas criaturas alguns dias mais tarde e descobriu que eram crianças do sexo feminino, que viviam com os lobos e se comportavam como eles. A idade das crianças não é precisa, mas a maior teria entre cinco e oito anos e a menor, em torno de três. Elas eram saudáveis, comiam carne crua e não pareciam ter qualquer traço de humanidade.

Levadas para a civilização, ganharam nomes: a maior passou a se chamar Kamala e a menor, Amala. A única emoção que demonstravam era o medo, comiam carne crua, corriam como lobos quando assustadas, uivavam, tinham olfato apuradíssimo e dormiam durante o dia para acordar à noite. Elas nunca sorriam ou demonstravam interesse na companhia de seres humanos, e procuravam a companhia de cachorros.

A mais nova morreu de depressão um ano depois. A mais velha sobreviveu 10 anos à captura, aprendeu alguns rudimentos de linguagem e a andar sob dois pés.